News Tributário Nº 832

30/08/2023 em News Tributário

Medida Provisória Introduz Alterações Relevantes na Tributação de Fundos de Investimento

No dia 28.08.2023, foi publicada no Diário Oficial da União (“DOU”), edição extra, a Medida Provisória nº 1.184, de 28.08.2023 (“MP nº 1.184/2023” ou apenas “MP”), que traz significativas alterações relativas à cobrança e ao recolhimento do Imposto sobre a Renda (“IR”), inclusive na modalidade de retenção na fonte (“IRRF”), incidente sobre as aplicações em Fundos de Investimento (“FIs”).

• Introdução do “Come-cotas” para FIs (Regime Geral) Fechados

Dentre outros aspectos importantes, a MP terá impacto direto nos fundos constituídos sob a forma de condomínio fechado (“FIs Fechados”).

Neste contexto, assim como ocorre com os FIs em geral constituídos sob a forma de condomínio aberto (“FIs Abertos”), a MP prevê que os FIs Fechados também passarão a se sujeitar à incidência semestral[1] de IRRF na sistemática denominada “Come-cotas”, às seguintes alíquotas:

(i) 15% (quinze por cento), no caso dos FIs cujo prazo médio da carteira seja superior a 365 (trezentos e sessenta e cinco dias) (i.e., os “FIs longo prazo”);

(ii) 20% (vinte por cento), no caso dos FIs cujo prazo médio da carteira seja igual ou inferior a 365 (trezentos e sessenta e cinco dias) (i.e., os “FIs curto prazo”).

A base de cálculo do IRRF corresponderá, na sistemática Come-cotas, a diferença positiva entre o valor patrimonial da cota e o custo de aquisição da cota, definido, nos termos da MP, como o preço pago na aquisição das cotas, acrescido da parcela do valor patrimonial da cota que já tiver sido tributada, em incidências anteriores e diminuído das parcelas do custo de aquisição que tiverem sido computadas anteriormente em amortizações de cotas.

Na data da distribuição de rendimentos, resgate, amortização ou alienação das cotas haverá, se necessário, tributação complementar com base na alíquota devida, conforme o prazo da operação.

Referida sistemática se aplica aos FIs Abertos e Fechados em geral, ressalvadas as hipóteses previstas expressamente na própria MP, como veremos a seguir, e em legislação especial.

Ainda no que diz respeito aos FIs Fechados, vale destacar que, nos eventos de amortização de cotas, a base de cálculo do IRRF será a diferença positiva entre o preço da amortização e a parcela do custo de aquisição da cota calculada com base na proporção que o preço da amortização representar do valor patrimonial da cota, o que, na visão do escritório, reforça o caráter de proporcionalidade entre amortização do valor de principal (custo de aquisição) e dos rendimentos, que deve ser observado nestes eventos.

Por fim, outro ponto que merece destaque em relação à sistemática de tributação dos FIs Fechados, é a transferência, ao administrador do FI Fechado (em substituição à atual sistemática de auto recolhimento pelo cotista), da responsabilidade de recolhimento do IRRF nas hipóteses de alienação das cotas do FI Fechado. Referido recolhimento deverá ser realizado mediante prévia entrega dos recursos financeiros pelo cotista devendo a efetiva transferência das ser realizada apenas após a entrega ao administrador dos recursos necessários para o pagamento do IRRF no prazo legal.

• Tributação sobre o Estoque de Rendimentos/Ganhos do FI Fechado (apurados até 31.12.2023)

Os rendimentos/ganhos apurados até 31.12.2023, acumulados e não distribuídos aos cotistas dos FIs Fechados, serão tributados pelo IRRF (“IRRF Estoque”) à alíquota de 15% (quinze por cento), a ser recolhido até o dia 31.05.2024, data de recolhimento do primeiro Come-Cotas.

O pagamento poderá ser à vista ou parcelado em até 24 (vinte e quatro) parcelas mensais e sucessivas, com pagamento da primeira parcela também até 31.05.2024 e com o acréscimo de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (“SELIC”), não podendo a prestação ser inferior a 1/24 do valor do imposto devido.

Nesse contexto, a MP estabelece que o cotista deverá prover previamente ao administrador do FI os recursos financeiros necessários para o recolhimento do IRRF Estoque, podendo o administrador do FI dispensar o aporte de novos recursos. Caso o IRRF Estoque não seja pago no prazo de que trata este artigo, o FI não poderá efetuar distribuições ou repasses de recursos aos cotistas ou realizar novos investimentos até que haja a quitação integral do imposto, com eventuais acréscimos legais.

Alternativamente, o contribuinte – pessoa física residente no País – poderá optar por recolher o IRRF Estoque à alíquota reduzida de 10% (dez por cento), em duas etapas (“IRRF Estoque Antecipado”):

(i) sobre os rendimentos apurados até 30.06.2023, em 4 parcelas mensais com vencimentos nos dias 29.12.2023, 31.01.2024, 29.02.2024 e 29.03.2024;

(ii) sobre os rendimentos apurados de 01.07.2023 a 31.12.2023, à vista, até o último dia útil do mês de maio de 2024.

• Regime Específico (FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável)

• FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável Enquadrados como Entidade Investimento

Os FIs em Participações (“FIPs”), FIs em Ações (“FIAs”) e FIs em Índice de Mercado (“ETFs”) de Renda Variável, caso (i) sejam enquadrados como “Entidades de Investimento”; (ii) atendam aos requisitos estipulados nos artigos 4º a 6º da MP nº 1.184/2023 (“Requisitos Enquadramento”); não estarão sujeitos ao Come-Cotas e terão os seus rendimentos tributados pelo IR à alíquota de 15% (quinze por cento) exclusivamente na data da distribuição dos rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas.

Assim, para não se sujeitarem ao Come-cotas mencionado, os FIPs, FIAs e ETFs de Renda Variável deverão:

(i) ser considerados como Entidades de Investimento: isto é, entidades contendo estrutura de gestão profissional, no nível do próprio FI ou de seus cotistas, quando organizados como fundos ou veículos de investimentos, no Brasil ou no Exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”).

Neste contexto, vale destacar que houve uma ampliação na aplicação deste conceito, até então destinado aos FIPs, nos termos da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) nº 578, de 30.08.2016 (“ICVM nº 578/2016”), que faz referência à definição de Entidade de Investimento prevista pelas normas contábeis e com base em indícios a serem avaliados pelo administrador do FIP. Portanto, tendo em vista que a MP e a CVM não adotam definições idênticas para o termo “Entidades de Investimento”, especialmente no âmbito do FIP, é possível que exista um FIP que seja considerado Entidade de Investimento para fins regulatórios (CVM), mas que não seja Entidade de Investimento para fins fiscais (MP nº 1.184/2023), e vice-versa[2].

(ii) observar os Requisitos Enquadramento, que podem ser resumidos da seguinte forma:

a) FIAs: enquadramento avalia a efetiva composição da carteira do FI: i.e., devem possuir carteira composta por, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) de ações, ou de “ativos equiparados” (conforme definição estabelecida no artigo 5º, § 1º da MP), efetivamente negociados no mercado à vista de bolsa de valores, no País ou no exterior;

b) FIPs: devem cumprir os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM, uma importante melhoria implementada pela MP que alinha a conceituação dos FIPs exclusivamente às regras da CVM (afastando o enquadramento fiscal previsto na legislação atual[3]);

c) ETFs de Renda Variável: devem cumprir os requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM e possuir cotas efetivamente negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado.

• FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável Não Enquadrados como Entidade Investimento

Por outro lado, os FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável que não sejam considerados Entidades de Investimento ou não atendam aos Requisitos Enquadramento, estarão sujeitos ao Come-cotas semestral de 15% (quinze por cento).

Com relação à base de cálculo do Come-cotas, contudo, o resultado da avaliação de participações dos FIs em pessoas jurídicas controladas ou coligadas no Brasil não será computado na base de cálculo do Come Cotas, mas apenas no momento da realização do respectivo ativo, ou se houver distribuição de rendimentos, sob qualquer forma, aos cotistas.

Contudo, para que isto ocorra, é necessário que os respectivos ganhos e perdas dessas participações sejam registrados em subcontas contábeis do FI, sendo que a ausência deste controle em subconta implicará a tributação destas avaliações como rendimentos da aplicação na cota do FI.

Referido tratamento se aplica igualmente aos FIs que invistam nestes mesmos FIs, os quais deverão, contudo, manter subconta reflexa equivalente à subconta registrada no patrimônio do FI investido.

• Tributação de Eventos Societários (Fusão, Cisão, Incorporação ou Transformação de FI)

 A respeito dos eventos de “Cisão”, “Incorporação”, “Fusão” ou “Transformação” de FIs (conjuntamente os “Eventos Societários”), o artigo 14 da MP estabelece que, a partir 01.01.2024, a realização de qualquer um desses eventos será tratada como hipótese de incidência do IRRF.

Vale salientar, contudo, que o IRRF não incidirá nas seguintes hipóteses:

(i) nos Eventos Societários realizados por FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável;

(ii) nos Eventos Societários ocorridos até 31.12.2023, desde que:

a. o FI objeto do Evento Societário não esteja sujeito ao Come-cotas no ano de 2023;

b. a alíquota a que seus cotistas estejam sujeitos no FI resultante da operação seja igual ou maior do que a alíquota a que estavam sujeitos na data imediatamente anterior ao Evento.

• FIs com Classes de Cotas Distintas

Outro importante aspecto introduzido pela MP nº 1.184/2023, diz respeito aos FIs cujo regulamento preveja diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônio segregado para cada classe, observada a regulamentação da CVM.

Neste contexto, a MP estabeleceu que cada classe de cotas deverá ser considerada como um FI independente para fins de aplicação das regras de tributação previstas na MP.

• FIs Não Afetados pela MP nº 1.184/2023

As disposições previstas na MP nº 1.184/2023 não se aplicam para as seguintes modalidades de FIs:

(i) FIs Imobiliários (“FIIs”);

(ii) FIs nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (“FIAGROs”);

(iii) FIPs em Infraestrutura (“FIP-IE”) e FIPs na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (“FIP-PD&I”);

(iv) FIs de que trata a Lei nº 12.431, de 24.06.2011 (“Lei nº 12.431/2011”);

(v) investimentos de residentes ou domiciliados no exterior (“INR”), especificamente em:

a. FIs exclusivos para INR que possuam, no mínimo, 98% (noventa e oito por cento) em títulos públicos;

b. FIPs e FIs em Empresas Emergentes (“FIEE”);

c. FIs exclusivos para INR de que trata o artigo 97 da Lei nº 12.973, de 13.05.2014 (“Lei nº 12.973/2014”) i.e., os FIs que aplicam seus recursos exclusivamente em depósito à vista, ou em ativos sujeitos a isenção de IR, ou tributados à alíquota 0 (zero), nas hipóteses em que o beneficiário dos rendimentos produzidos por esses ativos seja INR;

(vi) ETFs de Renda Fixa.

Neste contexto, merece especialmente destaque o fato de que não há qualquer exceção expressa com relação aos FIs em Direitos Creditórios (“FIDCs”), salvo quando enquadrados na Lei nº 12.431/2011, o que pode gerar impacto relevante a este mercado, em especial para os FIDCs que possuam direitos creditórios ilíquidos e de difícil recuperação em suas carteiras.

• Requisitos para Isenção de Cotistas Pessoas Físicas de FII e FIAGRO

Especificamente com relação aos FIIs e aos FIAGROs, para que a isenção de IRRF, prevista no artigo 3º, inciso III da Lei nº 11.033, de 21.12.2004 (“Lei nº 11.033/2004”), aplicável à distribuição de rendimentos aos cotistas pessoas físicas continue sendo mantida, além de as cotas serem negociadas em bolsa ou em mercado de balcão organizado, passou a ser necessário que os FIIs e os FIAGROS possuam, no mínimo, 500 (quinhentos) cotistas, ao invés dos atuais 50 (cinquenta) cotistas mínimos.

Além disso, vale pontuar que a MP modifica a redação do artigo 3º, inciso III da Lei nº 11.033/2004 para estabelecer que tal isenção está condicionada a que as cotas sejam  efetivamente negociadas em bolsa ou em mercado de balcão organizado, o que permite a leitura – sem prejuízo de regulamentação detalhada ainda pendente – de que as cotas dos FIIs e FIAGROs devam sofrer movimentação dentro de determinado período para que esta isenção seja aplicável (i.e., existência de mercado secundário ativo), não bastante a mera admissão destas cotas à negociação.

• Investidores Residentes no Exterior (“INR”)

Regra geral, embora a MP não estabeleça expressamente a exclusão dos cotistas INRs do regime de Come-cotas– o que, na visão do escritório, pode gerar incerteza com relação à aplicação (ou não) desta sistemática aos INRs -, a sua redação dispõe que:

(i) os rendimentos de aplicações em FIs no Brasil apurados por INRs ficarão sujeitos à incidência do IRRF, à alíquota de 15% (quinze por cento), com exceção dos rendimentos auferidos em FIs não afetados pela MP nº 1.184/2023 (destacados no item acima) e em FIAs, que  permanecem sujeitos à incidência de IRRF à alíquota de 10% (dez por cento)[4];

(ii) as disposições referentes a apuração do custo de aquisição e compensação de perdas, a que estão sujeitos os investidores residentes, se aplicam aos rendimentos auferidos pelos INRs em seus investimentos em FIs.

Nesse sentido, importante pontuar que, atualmente, os INRs não possuem a faculdade de compensar as perdas apuradas em seus investimentos em FIs no Brasil, sendo a modificação constante do item “ii” acima, uma importante melhoria a esse mercado.

Ademais, vale também destacar que, diante da incerteza com relação à aplicação do Come-Cotas aos INRs e tendo em vista que o IRRF Estoque é intrínseco ao regime de Come-cotas, a mesma incerteza existe sobre a eventual sujeição dos INRs a esta tributação (i.e., o IRRF Estoque).

Ainda neste contexto, vale pontuar que o IRRF Estoque Antecipado (à alíquota de 10%, alternativamente ao IRRF Estoque, à alíquota de 15%) é restrito aos cotistas domiciliados no Brasil, de modo que os INRs, caso de fato se sujeitem ao IRRF Estoque, não poderão usufruir desta alternativa específica.

• Tramitação

A maior parte dos dispositivos da MP começa a produzir efeitos a partir de 01.01.2024. Contudo, e muito embora com força de lei, de acordo com as normas constitucionais relativas às Medidas Provisórias, a MP nº 1.184/2023 deve ser apreciada pelo Congresso Nacional no período de até 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação (i.e., após o dia 28.08.2023), sob pena de trancamento da pauta de votações da casa legislativa em que estiver tramitando (i.e., o denominado regime de urgência); bem como ser convertida em lei dentro de até 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por mais 60 (sessenta), também contados a partir de sua publicação, sob pena de perder sua eficácia.

Sendo o que nos cabia para o momento, permanecemos inteiramente à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos acerca deste assunto.

 


[1] No último dia útil dos meses de maio e novembro; ou na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, caso ocorra antes (conforme artigo 2º, incisos I e II da MP).
[2] Não obstante, a previsão de que o CMN regulamentará o conceito de Entidade Financeira para no âmbito dos FIAs, FIPs e ETFs de Renda Variável fins fiscais, em alguma medida, pode gerar dúvidas e insegurança ao mercado, em especial diante da redação do artigo 1.368-C, § 2º da Lei nº 10.406, de 10.01.2002 (“Código Civil”), que delega à CVM (e não ao CMN) a competência para dispor sobre aspectos regulatórios dos FIs.
[3] Lei nº 11.312, de 27.06.2006:
“Art. 2º (…)
  • 4º Sem prejuízo da regulamentação estabelecida pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de Fundo de Investimento em Empresas Emergentes e de Fundo de Investimento em Participações, além do disposto no § 3º deste artigo, os fundos deverão ter a carteira composta de, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) de ações de sociedades anônimas, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição.” (grifo nosso)
[4] Exposição de Motivos: “28. O art. 18 prevê que os rendimentos de aplicações em fundos de investimento no País auferidos por cotistas residentes ou domiciliados no exterior permanecerão sujeitos ao IRRF à alíquota de 15%. É mantida a alíquota de 10% dos rendimentos em aplicações em fundos de ações pelos cotistas não residentes ou domiciliados no País, desde que não sejam localizados em jurisdições de tributação favorecida.” (grifo nosso)

 

ESTE BOLETIM É MERAMENTE INFORMATIVO AOS NOSSOS CLIENTES E COLABORADORES. FICAMOS À DISPOSIÇÃO PARA EVENTUAIS ESCLARECIMENTOS SOBRE A(S) MATÉRIA(S) AQUI VEICULADA(S).
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