STJ

10 . 02 . 2023

Tema: Cabimento de ação rescisória visando desconstituir ação coletiva quando houver mudança de jurisprudência
AR 6015 – FAZENDA NACIONAL x SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMÉRCIO EXTERIOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA – Relator: Min. Gurgel de Faria

Com base no entendimento do STF no Tema 885 da repercussão geral, a 1ª Seção definiu que é possível, por meio de ação rescisória, reverter o resultado de processos já transitados em julgado, quando houver alteração superveniente da jurisprudência. No caso concreto, fixou-se que a interrupção desses efeitos deve ocorrer com a publicação da ata de julgamento do Tema 906/STF, momento em que a tese jurídica fixada passou a ter força normativa, porque proferida em sede de repercussão geral.

Foi objeto de análise a ação rescisória ajuizada pela Fazenda Nacional contra decisão do STJ que, com base em jurisprudência então vigente (EREsp 1.411.749, 28/05/2014), dispensou contribuintes do recolhimento de IPI na revenda de importados. O tema está atualmente pacificado de forma desfavorável aos contribuintes, tendo o STJ decidido pela tributação por meio de recurso repetitivo (Tema 912/STJ) e chancelado pelo STF em repercussão geral. (Tema 906/STF).

Na ação em análise, o relator, Min. Gurgel de Faria, em voto vencedor, afastou o óbice da Súmula 343/STF, segundo a qual “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”, ante a alteração superveniente da jurisprudência e “o fato de a ação ordinária ser coletiva”, o que poderia gerar efeitos deletérios sobre a isonomia e livre concorrência. Fundamentou que a particularidade dos presentes autos, relacionada ao caráter normativo da decisão transitada em julgado que se pretende rescindir, tem o condão de afastar a Súmula 343/STF. Ademais, relembrou que no voto proferido na AR 4443, julgado em 2019, havia ressaltado que o STF pacificou o entendimento de que a Súmula 343, no âmbito constitucional, mostrava-se adequada as situações de mutação jurisprudencial, porém, naquela época, ainda havia discussão quanto ao seu alcance nos casos de repercussão geral. Entretanto, considerou que a aplicação da referida súmula ganhou novos contornos com o avanço do julgamento dos Temas 881 e 885 no STF, já que esses temas cuidam dos limites da coisa julgada em matéria tributária, sobretudo nas relações de trato sucessivo, diante do julgamento em controle concentrado e difuso de constitucionalidade, respectivamente.

O ministro pontuou que a maioria de votos formada na Suprema Corte permite que se revisite a questão do conhecimento das ações rescisórias ajuizadas no STJ nos casos em que a decisão transitada em julgado, envolvendo relação jurídico tributário de trato sucessivo, que esteja em desconformidade com precedente obrigatório firmado em momento posterior a coisa julgada. Assim, como a tese jurídica prevalescente no STF é de que a natureza vinculante reconhecida aos julgados proferidos sob o rito da repercussão geral possibilita a alteração do estado de direito, situação que autoriza a flexibilização da coisa julgada, de acordo com cláusula rebus sic stantibus, aplicável as relações de trato sucessivo, sendo que nesse contexto, a modificação do status quo tem efeitos imediatos automáticos, tornando-se despicienda até a propositura de ação rescisória ou de ação revisional. Isso porque, na linha do voto do Ministro Roberto Barroso, relator do Tema 885/STF, os precedentes qualificados, produzem norma jurídica nova, com efeitos a partir da publicação da ata de julgamento.

Nessa perspectiva, compreendeu que não se mostra possível equiparar a mutação jurisprudencial, que atrai a aplicação da Súmula 343/STF, com o surgimento de norma jurídica decorrente da formação do precedente obrigatório, motivo pelo qual esse verbete sumular revela-se inaplicável nos casos em que a ação rescisória está fundamentada no inciso V do artigo 966/CPC e na desconformidade entre a conclusão alcançada na decisão rescindenda e a tese jurídica fixada nos julgados com força vinculante e, portanto, tendo eficácia normativa.

Ainda nesse sentido, o Min. Gurgel destacou que a legitimidade da relativização da coisa julgada nas decisões referentes as relações jurídicas tributária de trato sucessivo, contrárias a precedente obrigatório, também se apoia na necessidade de se evitar a geração de situações anti-isonômicas, com impacto na livre concorrência, como se constata no recurso extraordinário representativo da controvérsia relativo ao Tema 885/STF e também no caso da rescisória em tela. Assim, posicionou-se favoravelmente ao conhecimento da ação rescisória.

No tocante a eficácia temporal da decisão rescindenda, ressaltou que, partindo da premissa que as decisões judiciais de caráter vinculante têm o condão de modificar a situação de direito, nas relações tributárias de trato sucessivo, a pretensão veiculada na ação rescisória que busca a aplicação da tese repetitiva de observância obrigatória, fixada no julgamento do Tema 912/STJ, já seria suficiente para interromper os efeitos da coisa julgada, entretanto, compreendeu que não se pode deixar de considerar que o Supremo, entendendo que a questão de fundo tem contornos constitucionais, afetou a mesma temática, ao rito da repercussão geral, firmando o entendimento de que é constitucional a incidência. Por essa razão, concluiu que a interrupção desses efeitos deve ocorrer com a publicação da ata de julgamento do Tema 906/STF, momento em que a tese jurídica fixada passou a ter força normativa, porque proferida em sede de repercussão geral.

Divergiram em relação ao conhecimento da ação rescisória os ministros Mauro Campbell, Assusete Magalhães e Regina Helena, que entendem não ser possível afastar a Súmula 343/STF.

Quanto ao mérito, a 1ª Seção, por unanimidade, julgou parcialmente procedente os pedidos para rescindir o acórdão objeto da presente ação e, em novo julgamento, negar provimento ao Recurso Especial n. 1.427.246/SC.

Clique e confira a íntegra do informativo: Velloza Ata de Julgamento­