Fonte: Revista Época
O ex-presidente do conselho da Sadia revela o conteúdo de documentos que, segundo ele, comprovariam a culpa de Adriano Ferreira no caso dos derivativos tóxicos. São declarações que o ex-diretor escreveu e assinou antes de ser demitido da empresa
Por Darcio Oliveira
Ferreira: “O Walter mente”
Walter Fontana continua a ofensiva. Afirma que as tais operações com derivativos não constavam do Risk Control, um software de gestão de risco que alerta para o caso de exposições excessivas ou operações que estejam fora dos padrões da companhia – desenquadradas, como se diz no jargão corporativo. “Adriano e sua equipe controlavam as operações por meio de um currency book, um sistema paralelo. E monitoravam as operações através de um email do terminal Bloomberg, ou seja, não usavam o sistema tradicional da companhia”. Segundo ele, esses emails estão no processo e mostram que um mês antes Adriano e equipe já discutiam os riscos da operação. Walter sustenta que se o ex-diretor financeiro tivesse alertado a empresa com certa antecedência o prejuízo teria sido bem menor.
Ao saber das acusações, Adriano foi enfático: “O Walter mente. Todas as operações estavam no Risk Control. O que ocorre é que o sistema não estava preparado para algumas operações específicas, caso dos derivativos dois por um. Foi feita uma adaptação. O dois por um nada mais é do que duas operações de venda para uma de compra de dólares, daí o nome. Estava tudo lá, só não leu quem não quis”. Questionado sobre as declarações escritas de próprio punho, Adriano observou o documento, reconheceu letra e assinatura e respondeu com tranquilidade: “Foi escrito sob pressão. E foi ditado por eles”. Eles, segundo o executivo, eram os responsáveis pela auditoria interna. Sem citar nomes, Adriano explica que os auditores fizeram várias perguntas a cada um dos principais representantes da equipe financeira e depois começaram a ditar o conteúdo”, diz. Procurado por Época NEGÓCIOS, Álvaro Ballejo, que hoje mora em Minas Gerais, confirmou a história: “Pressão foi pouco para aquilo que eles fizeram. Os caras nos diziam aos berros o que escrever” (leia mais na entrevista com Ballejo).
Fica difícil, no entanto, entender porque o ex-diretor financeiro e sua equipe aceitaram redigir os documentos. Adriano justifica: “Analisando agora é fácil perceber o erro e até a minha ingenuidade. Mas na hora em que você está dentro do furacão, com tudo aquilo acontecendo em volta, sob pressão, vem alguém dizendo que aquilo é necessário e você faz”. Época NEGÓCIOS entrou em contato com os remanescentes da auditoria interna da Sadia. Eles alegaram que a política de comunicação da companhia os impede de se manifestar.
Adriano sustenta que, apesar da pressão, o documento deve ser avaliado com muita responsabilidade. O que está dito ali, segundo ele, é que as operações não eram relatadas individualmente. “E não precisavam mesmo. O conselho e o comitê tinham acesso ao total, às posições globais, e esta sempre foi a política da empresa”, diz. “Eu tinha alçadas por operação. Tudo era registrado no sistema”.
E quanto ao efeito prático destas declarações para a Justiça? Até agora, nenhum.
Mesmo com todos os problemas, Adriano faz um balanço extremamente positivo de sua passagem pela Sadia. Diz que foi um período de muitas realizações, muito lucro e que todos participaram – de investidores, que sempre souberam que a companhia atuava assim, até acionistas, controladores, executivos, funcionários. Os derivativos 2×1, segundo ele, renderam a Sadia, no primeiro semestre de 2008, o correspondente a 80% dos lucros da empresa. “No final das contas, todo mundo recebe os bônus e os dividendos. Aí ninguém reclama, né?“, diz Adriano. “Quando entrei na Sadia a ação da empresa valia R$ 0,80. Quando saí, estava em R$ 7,00”.
Para especialistas em governança corporativa, o saldo da troca de chumbo entre Adriano e Walter Fontana Filho é um só: havia sérios problemas nos processos de fiscalização da Sadia. A própria investigação da consultoria BDO Trevisan, base para o processo que a Sadia moveu contra Adriano, dizia que “falhas de estrutura permitiram que a diretoria financeira contratasse as operações”. César Amendolara, advogado do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm e um dos maiores especialistas em direito societário do país, lembra que em direito há a figura da culpa in eligendo e culpa in vigilando, ambas primas-irmãs da falha de governança. Traduzindo: é a culpa de quem escolheu (determinada pessoa para determinada função) e de quem não vigiou. “Não acompanhei o caso por dentro, mas me parece um pouco estranho que apenas uma pessoa seja apontada como culpada numa estrutura gigantesca de uma das maiores empresas do país”, afirma o advogado. “Há os comitês, as auditorias, o conselho, uma série de mecanismos criados justamente para que isso não ocorra”.
Ao ser consultado por Época Negócios para avaliar o caso Adriano/Sadia, um experiente jurista de São Paulo resumiu em poucas linhas a tragédia corporativa: “Juntaram um garoto brilhante e sem freios com um conselho omisso numa empresa de governança capenga. Deu no que deu”.