Tema: Verificar se é possível a amortização de ágio em relação as operações de reorganização societária, mesmo na hipótese de patrimônio líquido negativo da investida.
REsp 2026473 – FAZENDA NACIONAL x CREMER S.A – Relator: Ministro Gurgel de Faria
Nesta terça-feira, 05/09, a 1ª Turma do STJ definiu que não há impedimento legal ao emprego do ágio como um meio para reduzir a base de cálculo do IRPJ e CSLL. Desta forma, considerou ser possível a dedução do ágio decorrente de operações internas entre sociedades empresárias dependentes e mediante o emprego de empresa veículo, tendo considerado ainda que, no caso concreto analisado, restou comprovada pelas instâncias de origem a existência de propósito negocial e que o ágio não teria sido constituído de maneira artificial.
De acordo com o voto do relator, ministro Gurgel de Faria, a Lei 9532/97 (artigos 7º e 8º) permitiu a dedução fiscal do ágio da base de cálculo do lucro real, na hipótese de absorção patrimonial de pessoa jurídica da qual se detenha participação societária. Em especial, a norma, em seu inciso III, estabeleceu a possibilidade de o ágio gerado na aquisição de participação societária, cujo fundamento econômico tiver sido a expectativa de rentabilidade futura (art. 20 §2º, alínea b, do decreto-lei 1598/77), ser levantado posteriormente se existente incorporação, fusão, cisão, em razão de, no máximo, 1/60 avos para cada mês do período de apuração. No caso concreto, portanto, entendeu que assiste razão o contribuinte quando afirma que os requisitos exigidos para a dedução são: i) que o ágio seja justificado pela rentabilidade futura do investimento, ii) que, após a aquisição, haja a incorporação da controlada pela controladora ou vice-versa, e iii) que seja respeitado o limite amortização de um 1/60 avos por mês.
Acrescentou que o Código Tributário Nacional autoriza que autoridades administrativas promovam o lançamento de ofício quando se comprove que o sujeito passivo ou terceiro, em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação. E ainda, que a norma geral antielisiva (artigo 116, parágrafo único) também poderia, em última análise, até justificar a requalificação de negócios jurídicos tidos como ilícitos ou dissimulados, embora prevaleça orientação de que a plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer os procedimentos a serem seguidos, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 2446, de relatoria da ministra Cármen Lúcia. Sob este aspecto, destacou que a preocupação da Fazenda quanto as operações exclusivamente artificiais é relevante e encontra abrigo na legislação e na interpretação que a esta deve ser dada. Entretanto, para ele, não é dado presumir que esses tipos de organizações societárias são desprovidos de fundamento material-econômico.
No esforço de tentar tornar mais claro o seu voto, afirmou que o ágio interno ocorre nos casos de aquisições societárias que se operam dentro do mesmo grupo ou conglomerado de sociedades com relações societárias entre si (sociedades controladas ou coligadas ou não), mas que estejam sob controle de uma mesma pessoa ou mesmo grupo de pessoas (físicas ou jurídicas), residentes ou domiciliadas no Brasil e no exterior. Já a empresa veículo, por sua vez, seria aquela que, constituída com a função específica de transferir participação societária entre controladora e controlada, são sociedades que embora não apresentem conceito unívoco, reúnem algumas características, quais sejam: a) a empresa veículo geralmente é constituída pela própria pessoa jurídica adquirente, com aporte de investimento na sociedade adquirida, ou seja, a empresa alvo, justamente para efetuar a transferência do ágio de rentabilidade futura, b) a empresa veículo tem duração efêmera, c) a empresa veículo é criada sem outro propósito econômico, além de facilitar aproveitamento fiscal, do ágio de rentabilidade futura, d) a empresa veículo é utilizada como instrumento para aquisição da participação societária na empresa alvo ou como sociedade para a qual ocorre a transferência do ágio, e) a empresa veículo é controladora da pessoa jurídica sucessora, que continua a existir após o evento societário na qual ativo diferido (regime anterior) ou ativo intangível (regime atual), relativo ao ágio de rentabilidade futura passa a produzir efeitos fiscais, f) a empresa veículo é extinta no evento societário de fusão, cisão ou incorporação, e g) a empresa veículo possibilita que a sociedade investida, por meio da incorporação reversa, amortize o ágio de rentabilidade futura.
Concluiu que, do ponto de vista lógico-jurídico, as premissas assentadas pela Fazenda no recurso especial passam longe de resultar automaticamente na conclusão de que o ágio interno ou ágio no resultado de operação com emprego de empresa veículo impediria a dedução do instituto em exame da base de cálculo do lucro real. Primeiro, porque os artigos 7º e 8º da lei 9532/97, em nenhum momento dispuseram de maneira expressa sobre a impossibilidade apriorística do aproveitamento do ágio nas operações de partes dependentes ou mediante o emprego de empresas interposta. Segundo, porquanto se a preocupação da autoridade administrativa é quanto à existência de relações exclusivamente artificiais, ou seja, absolutamente simuladas, compete ao Fisco, caso a caso, demonstrar artificialidade das operações, mas jamais supor que a existência de ágio entre as partes dependentes ou com emprego de empresa veículo já seria, por si só, absurdo.
Acerca do emprego de empresa veículo, afirmou que a sua rejeição imediata contraria o disposto no artigo 2º, §3º, da lei 6404/76, o qual faculta a criação de holding como meio de realizar o objeto social ou para utilizar-se de benefícios fiscais. Justificou que não há proibição legal para que uma sociedade empresária seja criada como empresa veículo para facilitar a realização do negócio jurídico. Inclusive, compreendeu que há razões reais, como propósito negocial, pois é possível que as pessoas jurídicas originais queiram manter sua segregação por diversas razões (estratégicas, econômicas, operacionais). Reforçou que quando a investidora é empresa estrangeira é ainda mais justificável a constituição da empresa veículo, por algumas razões práticas: confere mais segurança quanto a possibilidade de se valer da norma interna de dedução do ágio, o que não aconteceria se a incorporação fosse internacional; autoriza a negociação em base na moeda local; pode facilitar a realização de operações locais, por exemplo, dispensar garantias que seriam exigidos do investidor internacional, dentre outras.
Para o relator, em relação a existência do ágio interno, ao menos até 2014 (Lei 12.973), a constituição de sociedade veículo não pode ser impeditivo, por si só, para a dedução do ágio, por compreender que o mais importante nessas situações é investigar se houve efetiva aquisição de participação societária, se há efetivo custo de aquisição, se resta demonstrado que o ágio corresponde à diferença entre o custo de aquisição e o valor patrimonial do investimento, se está também fundamentado na expectativa de rentabilidade futura, se houve a dissolução do patrimônio da investida ou da investidora, por meio de incorporação, fusão e cisão, e se há efetiva aquisição ou alienação de participação societária.
Com estes fundamentos, votou pelo parcial provimento ao recurso especial fazendário, apenas para afastar a multa a ela aplicada pela origem quando da oposição de embargos de declaração.
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