Fonte: Estadão
13 de junho de 2016
Entrevista com Diego Nabarro, Advogado Associado V&G.
Por Matheus Mans e Thiago Sawada
Cada vez mais empresas brasileiras recorrem a plataformas que servem como ‘vitrine’ para investidores de capital de risco fazerem suas apostas; para especialistas, modelo dá flexibilidade para empreendedores que temem perder controle do negócio
Quando a startup brasileira Timokids estava prestes a completar um ano, a cofundadora e presidente executiva Fabiany Lima precisava de dinheiro para colocar em prática os planos da empresa. Ela não queria, porém, recorrer a grandes investidores, pois temia muita interferência no controle da empresa. Por isso, anunciou a startup num site de financiamento coletivo diferente: no lugar de ‘bancar’ um projeto, os investidores compraram pequenas partes da startup, que desenvolve um aplicativo interativo de livros e jogos infantis.
Em três meses, a Timokids levantou R$ 178 mil por meio da plataforma Broota. Com os recursos, a startup lançou versões do aplicativo em dois novos idiomas e também para as plataformas Android e Windows Phone. “Antes da captação o aplicativo tinha apenas seis histórias infantis. Hoje, já são 50”, conta Fabiany.
O modelo de captação de recursos escolhido pela Timokids – conhecido como “equity crowdfunding” – difere de sites populares de financiamento coletivo, porque quem contribui aposta em startups, em geral de tecnologia, na esperança de que elas se tornem grandes empresas. O termo “equity” associado a “crowdfunding” serve para caracterizar o tipo de benefício que a pessoa recebe ao contribuir por meio da campanha: em troca do aporte, ela terá direito a uma participação acionária (equity) na empresa.
“Essa iniciativa tem tentado facilitar o acesso de startups ao capital e fomentar que pessoas invistam seu dinheiro no mercado de capitais”, resume o advogado do escritório Velloza Girotto, Diego Nabarro.
No Brasil, esse sistema de investimento está dando seus primeiros passos. As primeiras duas ofertas ocorreram em 2014, mas o mercado só começou a deslanchar no ano passado, quando 43 empresas receberam autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para emitir títulos. Segundo dados da Associação Brasileira de Equity Crowdfunding, as startups já promoveram cerca de 30 campanhas. Juntas, as transações chegam a R$ 9 milhões.
Ao contrário dos investimentos diretos, que ocorrem sem mediação, os aportes por meio de equity crowdfunding são feitos via sites, como os brasileiros Broota, Start me up e EqSeed. A startup precisa submeter à CVM o tipo de título que vai oferecer e o material que será divulgado na plataforma. As empresas podem captar, no máximo, R$ 2,4 milhões ao ano – na prática, as startups arrecadaram em média R$ 350 mil por campanha, segundo a associação do setor.
Para o presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Amure Pinho, os empreendedores agora têm uma alternativa mais simples aos meios tradicionais de captação de recursos, que incluem fundos de investimento, investidores anjo, empréstimos bancários e programas de incentivo à inovação. “O equity crowdfunding democratiza o acesso ao capital, fragmentando os investimentos”, diz.
Startups em estágio inicial, que estão em busca de capital semente, são as que mais recorrem aos investimentos em plataformas de financiamento coletivo. Nesse modelo, a startup define as condições do contrato com os investidores e a aplicação mínima que, em geral, é de R$ 1 mil. “Quando a empresa está fazendo captação com investidor anjo, ela tem de negociar muito mais e, às vezes, sucumbir a determinadas exigências contratuais”, explica Nabarro. “Pelo equity crowdfunding, as pessoas colocam menos dinheiro e estão dispostas a ter menos direitos dentro da startup.”
O investidor não precisa depositar o dinheiro de prontidão, mas se compromete a investir na empresa, caso o processo de captação na plataforma seja bem-sucedido.
Dono não é chefe. A startup Pet Anjo, que reúne serviços voltados para animais de estimação, procurou o equity crowdfunding para arrecadar recursos mais rápido. A campanha, porém, foi um pouco diferente. Além de anunciar no Broota, o cofundador da startup Tiago Peterson fez a captação durante a Campus Party deste ano. “Apresentamos os benefícios aos investidores e conseguimos R$ 100 mil em apenas um dia.”
A partir da rodada de captação, feita no ano passado, a startup Timokids conseguiu reunir 55 investidores. “Os investidores são bem diversificados e cada um me ajuda em sua área de conhecimento. O engraçado é que todo mundo é dono, mas nenhum deles é chefe”, comenta a empreendedora.
Uma das pessoas que apostou na startup foi o empresário Mateus Lana. A decisão de adquirir duas cotas de participação na empresa, no valor de R$ 1 mil cada, veio da curiosidade pelo novo modelo de captação de investimento. “Eu tinha dúvidas sobre a transparência, mas fiquei muito satisfeito porque a empresa enviava relatórios todo mês”, conta. Quando a Timokids resolveu fazer uma nova oferta de captação, Lana revendeu suas cotas. “Em menos de seis meses, a rentabilidade alcançou 50%.”
Aposta. Embora seja possível ter bons resultados com os aportes, como o exemplo de Lana mostra, o investimento em qualquer startup é incerto. Para o fundador da aceleradora StartFarm, Felipe Matos, a modalidade de investimento por meio de financiamento coletivo é uma das mais arriscadas que existem. “É preciso pensar em longo prazo, porque vai levar um tempo para a startup crescer e se desenvolver”, diz.
Por outro lado, a máxima do mercado financeiro se aplica a este tipo de investimento: ‘quanto maior o risco, maior o retorno’. “O rendimento é tão alto que o retorno de poucas empresas pagam as perdas de outras que não deram certo”, diz Matos. Para isso, vale a recomendação tradicional de diversificar o portfólio de investimentos. Ou seja, se for investir em empresas por meio de equity crowdfunding, o investidor deve apostar pouco em várias empresas diferentes – a recomendação de especialistas é não investir mais do que 5% do capital em aportes de alto risco.
Os investimentos de alto risco são pouco atrativos no País. Com a taxa básica de juros no patamar de 14,25%, muitos brasileiros optam por alocar recursos em títulos de renda fixa. “Hoje o Brasil tem uma taxa de juros imbatível. Isso faz com que quem tenha títulos da dívida tenha um retorno mais seguro”, diz o presidente da Associação de Equity Crowdfunding, Adolfo Melito. Ainda assim, para ele, a crise econômica pode sinalizar um bom momento para se arriscar por meio das novas plataformas de investimento em startups. “São nestes pequenos investimentos que o retorno acontece, porque eles demandam menos capital e as startups tem um componente de inovação muito maior.”
“A crise faz com que surjam modelos de negócios disruptivos mais eficientes. Isso gera uma grande oportunidade”, diz o fundador da plataforma de Start me up, Diego Perez. Segundo especialistas, a chegada de uma regulamentação específica, definida pela CVM, também deve tornar esse tipo de investimento mais atrativo.
Para validar o modelo de captação de recursos via crowdfunding, a plataforma virtual de financiamento coletivo Broota foi uma das primeiras startups a fazer uma oferta de títulos pela internet no final de 2014.
A plataforma obteve um aporte no valor de R$ 200 mil, viabilizado por cerca de 30 apoiadores. Por decisão do fundador da plataforma, Frederico Rizzo, a oferta foi dirigida apenas a investidores qualificados – aqueles que dispõem de pelo menos R$ 300 mil em conta.
O modelo adotado pela Broota inspirou um padrão para outras startups anunciarem na plataforma: a oferta só fica disponível para qualquer pessoa quando a startup tiver a figura do investidor âncora – em geral, alguém com conhecimento do mercado financeiro ou da área de atuação da startup, que deve investir no mínimo R$ 25 mil.
“O investidor profissional dentro de uma captação traz confiança para outros investidores que não tem tanta experiência”, diz Adolfo Melito, presidente da Associação de Equity Crowdfunding.
Uma vez que a campanha foi apresentada na plataforma, qualquer pessoa pode investir no mínimo R$ 1 mil.
Atualmente, 30 empresas já utilizaram a plataforma e, segundo Rizzo, 96% delas obtiveram sucesso na arrecadação. Para o fundador da plataforma, o resultado positivo se deve à falta de opções de investimentos em startups. “Ainda que o negócio seja arriscado, as pessoas querem se conectar com a inovação e fazer parte desta economia. Além disso, o custo de R$ 1 mil para um investimento é quase insignificante.”