Fonte: Valor Econômico
Data: 24 de abril de 2012
Por Luciana Seabra | De São Paulo
As pessoas foram convidadas a se cadastrar em um site restrito, similar à página de um banco. Por e-mail, elas receberam a convocação para a próxima assembleia. Com login e senha, debateram os temas da pauta por 15 dias em um fórum. As mensagens vieram de computadores, celulares e tablets. O moderador abriu o período de votação, de cinco dias, e cada inscrito registrou seu voto. Debate e votos foram documentados e a ata encaminhada a todos por e-mail.
O que se passou foi a reunião do condomínio Villagio de Panamby, na cidade de São Paulo, com 950 apartamentos. O modelo, entretanto, poderia ser facilmente adaptado para a assembleia de um fundo de investimentos, segundo a especialista em direito digital Patricia Peck Pinheiro, sócia do escritório PPP Advogados.
No caso do edifício, a assembleia on-line foi um meio de atrair os moradores à tão impopular reunião de condomínio. “Em média, 10% das pessoas participavam. Agora estamos chegando a cerca de 30%”, diz Marcelo Mahtuk, diretor-executivo da administradora de condomínios Manager, responsável pelo encontro virtual. À primeira reunião virtual, realizada pela administradora em outubro do ano passado, seguiram-se outras cinco. Aos poucos a moda se espalha entre os edifícios. “A assembleia é uma reunião dos proprietários para saber o que eles querem. Se as pessoas não participam, quem vai dar a direção do condomínio é um grupo pequeno”, afirma Mahtuk.
A baixa frequência é também uma característica das assembleias de fundos. “Baixíssima, uma das mais baixas do mundo”, diz Regis Abreu, presidente do comitê de fundos de ações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “A assembleia de fundos é custosa, principalmente quando existe necessidade de quórum qualificado. Muitas vezes existe um movimento de correr atrás de algum cotista que possa aprovar”, diz Graciela Barros, advogada do Velloza & Girotto Advogados.
Mas uma assembleia on-line seria legítima no caso dos fundos? “O princípio [da assembleia on-line] é da participação e não da exclusão”, afirma Patricia. “Dificultar o voto [dos cotistas] é que geraria risco jurídico”.
A regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não prevê originalmente a realização de assembleia on-line. A CVM, entretanto, já se manifestou sobre o tema. Fez isso em resposta a uma consulta da MZ Consult, empresa que oferece a plataforma para fazer assembleias virtuais. A resposta veio em 2010, no processo administrativo 12738, referência para quem afirma que a assembleia on-line é legítima.
No processo, a CVM considerou legal a adoção de sistemas eletrônicos que permitam a participação remota de investidores em assembleias gerais de fundos dos quais sejam cotistas. Também não se opôs a chats, blogs e fóruns na internet para que eles compartilhem comentários sobre a pauta da assembleia, sem qualquer intermediação do administrador. Nem que eles continuem abertos durante o período da assembleia.
A CVM considerou, inclusive, que a assembleia de fundos pode ser transmitida ao vivo pela internet. E que não é necessário restringir o acesso somente aos cotistas, ou seja, ele pode ser liberado a todos os interessados.
O parecer da CVM, entretanto, mudou pouco a relação entre administradores e cotistas. Sócio da gestora Capitânia, Arturo Profili considera que os fundos não adotaram o modelo porque ainda há muito incerteza jurídica. Além disso, acha que a assembleia on-line não vai sair do papel enquanto cada um atuar por si. “Tem que ser um caminho comum, para que a tecnologia não seja cara. Alguém tem que tomar a liderança e só existem dois candidatos naturais, a CVM e a Anbima”, diz.
Para Profili, não há como eliminar a assembleia física, mas o avanço da tecnologia sobre o processo de decisão é não só natural como essencial para que os cotistas participem mais. “O voto eletrônico é o único caminho para aumentar a presença nas assembleias”, diz.
Apesar da manifestação favorável às assembleias on-line em 2010, a CVM ainda estuda a regulação desses eventos. De qualquer forma, a Anbima já prepara as ferramentas para intermediar o processo. Juntamente com a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), desenvolve um portal em que o cotista poderá registrar seu voto nas diversas assembleias de fundo. O prazo para ficar pronto? “Diria que em um horizonte de hoje a um ano. Depende da regulamentação da CVM”, afirma Abreu, da Anbima.
Hoje, já existem, segundo a Anbima, procuradores fisicamente presentes nas assembleias que manifestam os votos repassados pela internet por um conjunto de cotistas. “Por enquanto não tem como fazer sem participação presencial”, diz Abreu. A Anbima ainda aguarda manifestação da CVM para saber se o voto eletrônico será válido por si só para a assembleia ou se ainda será necessária a intermediação de um procurador presente no encontro.
Abreu considera que a versão virtual da assembleia beneficiaria todos os participantes do mercado. “O fato é que qualquer indústria, quando caminha na direção da digitalização, cria enormes economias de custos. Se você puder conceder seu voto sem ter que viajar, sem toda essa burocracia, é uma agenda ‘ganha-ganha’ para todo mundo.”