Fonte: Carta Forense
Data: 3 de outubro de 2008
Artigo de autoria do Dr. José Carlos Mota Vergueiro, Sócio V&G.
Advogado e Sócio do
Escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados Associados.
Na última sexta-feira, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, disciplinando a Lei do Estágio. A citada Lei passou a vigorar na data de sua publicação, de forma que desde sexta-feira passada a contratação de estudantes do Curso de Direito somente poderá se dar com a observância das novas regras, as quais, nesse pequeno ensaio procuraremos comentar, mantendo o nosso foco nas principais alterações que possam impactar os escritórios de advocacia.
À primeira vista, a aprovação da Lei nº 11.788/08 se mostra louvável porque tem como propósito oferecer o aprendizado de competências próprias relativas à atividade profissional do estudante, permitindo que este possa adquirir experiência na sua área de concentração e, conseqüentemente, facilitar o seu ingresso no mercado de trabalho.
Além disso, a mencionada Lei tem por escopo proteger o abuso de mão-de-obra contratada, porque, não raro, as empresas em geral – e aí se encontram tanto as pessoas jurídicas de direito privado quanto os órgãos da administração pública direta, autarquias e fundações de quaisquer dos poderes da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais – se beneficiavam da ausência de uma legislação mais rigorosa e atual, perfilhada com os princípios fundamentais encartados na Constituição Federativa do Brasil de 1988, especialmente no que diz respeito aos valores sociais do trabalho.
Contudo, embora a iniciativa mereça aplausos, os escritórios de advocacia se encontram bastante preocupados pelo fato de que, algumas novas regras que foram introduzidas, ao invés de beneficiar os estagiários, na realidade poderá prejudicá-los sobremaneira na realização do estágio.
Com efeito, tome-se, como exemplo, o inciso II, do artigo 10 da Lei, o qual limita a jornada de trabalho a 6 (seis) horas diárias e/ou 30 (trinta) horas semanais, podendo tal carga horária ser reduzida pela metade, na época de provas, a fim de garantir o bom desempenho do estagiário na Universidade.
Examinando essa limitação vis-à-vis à realidade do nosso mercado, onde a grande maioria dos estagiários de Direito cumpre jornada de 8 (oito) horas diárias, os escritórios de advocacia terão que reduzir a jornada para 6 (seis) horas, por força do que dispõe o artigo 18 do mencionado diploma legal, que determina na prorrogação dos estágios contratados antes do início da vigência da Lei, a adaptação às novas regras. Conseqüentemente, se reduzida a jornada de trabalho, os escritórios de um modo geral poderão reduzir, proporcionalmente, o valor da bolsa, a qual, muitas vezes ajuda o estagiário a pagar os altos custos com os livros e as mensalidades da Universidade. Também para os novos contratos estuda-se uma revisão no valor da bolsa, pois para cada 3 (três) estagiários que tiverem reduzidas as suas jornadas de trabalho, os escritórios terão que contratar mais um estagiário.
É importante salientar que o § 1º, do artigo 10 da Lei, abre uma exceção para a jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas, quando o estágio for correspondente a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos que não estejam programadas aulas presenciais, e desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino. Seria o caso, portanto, dos Cursos de Educação Física, Odontologia etc. Logo, entendo que, em princípio, para o Curso de Direito, que não atende esses requisitos, parece-me que a jornada de trabalho terá que ser inevitavelmente reduzida, salvo se o Ministério da Educação, juntamente com a OAB e as Universidades de Direito reverem o projeto pedagógico, introduzindo aulas práticas como disciplina desse curso.
Da mesma forma, merece crítica o artigo 11 da Lei, porque limita a 2 (dois) anos o prazo máximo de duração do estágio na mesma entidade ou parte concedente, abrindo-se uma exceção para prazo superior quando o estagiário for portador de alguma deficiência. Nessa hipótese, resta claro que os escritórios poderão perder interesse na contratação de estagiários que cursem os primeiros anos, pois ao cabo de 2 (dois) anos de estágio eles terão que ceder o estagiário para um concorrente, o que não faz sentido. Ora, como é cediço, quando o estagiário apresenta grande potencial de desenvolvimento profissional, talento e compromisso com o escritório, regra geral ele é contratado como advogado ao final do estágio. Portanto, com a entrada da lei em vigor, decerto haverá uma maior concentração na contratação de estagiários que estejam cursando o 4º e o 5º ano da Faculdade de Direito, prejudicando aqueles estagiários que desde o início do curso ingressam nos escritórios com o objetivo de adquirirem não só experiência prática, mas também receberem um auxílio para pagamento das mensalidades. É muito comum os escritórios que militam praticamente em todas as áreas do Direito, como o nosso, investir pesadamente na formação dos estagiários, propiciando-lhes além de uma gama de benefícios, uma bolsa adequada às suas responsabilidades. Nessas circunstâncias, é obvio que ninguém quer transmitir experiência para o estagiário, investir pesado no seu desenvolvimento, para depois vê-lo partir.
Nesse particular, o Governo foi de uma infelicidade ímpar porque a prorrogação do contrato de estágio deveria ficar submetida ao princípio da autonomia da vontade das partes, e não à vontade da lei. Isso funciona como no casamento. Onde há união, por que intervir promovendo a separação? Se as partes mais interessadas diretamente na relação jurídica – empresa concedente do estágio e estagiário – estão felizes e satisfeitos, não há razão para separá-los. Os romanos sabiamente já diziam: “MULTAE LEGES MALA REPUBLICA”, ou seja, onde existem muitas leis, há má administração.
Por outro lado, temos que ser francos em afirmar que a Lei do Estágio traz inúmeros benefícios aos estagiários, dentre os quais aquele que lhes assegura, após o período de um ano de estágio, recesso de 30 (trinta) dias para ser gozado, preferencialmente, junto com as férias escolares, devendo esse recesso ser remunerado. A propósito da concessão de férias, inúmeras empresas já adotaram essa prática aos contratos de estágio. Os escritórios de advocacia há muito tempo também incorporaram esse benefício aos contratos de estágio, além de efetuar o pagamento correspondente a 1/3 das férias e 13º salário, obrigações que embora não contempladas na lei anterior, já faziam parte de uma política de investir para crescer.
Adicionalmente, merece destaque o fato de a Lei abrir espaço para que a parte concedente do estágio garanta aos estagiários benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, dentre outros que podem ser oferecidos, estabelecendo que a concessão deles não implicará no reconhecimento do vínculo de emprego. Não se trata de uma obrigação para a parte concedente do estágio, mas essa regra é de fundamental importância para as relações jurídicas entre as partes, porque, de fato, ao concedermos aos estagiários quase os mesmos benefícios conferidos aos empregados, além de lhes propiciar um grande incentivo, evidentemente permitirá que as empresas em geral e os escritórios criem coragem para conceder aos mesmos pacote igual, sem, no entanto, correr o risco de ficar caracterizado o vínculo empregatício. Uma pena que a Lei também não tenha estendido aos estagiários a possibilidade deles serem incluídos como beneficiários dos Programas de Participação nos Lucros e Resultados das empresas, instituído pela Lei nº 10.101/00, tendo em vista que a contribuição deles tem sido muito importante para o atingimento das metas e resultados traçados. O nosso escritório, por exemplo, como forma de incentivar a performance dos estagiários, além de já oferecer Vale Refeição, concede também Plano de Saúde, Seguro de Vida e de Acidentes Pessoais, Plano Odontológico, Convênio Farmácia, entre outros, razão pela qual não prevemos nenhum impacto nos custos, senão aqueles relativos a redução da jornada de trabalho.
De outra parte, embora a legislação previdenciária já permita aos estagiários a inscrição no regime da previdência social, ficando-lhes assegurado o direito à assistência do INSS, bem como garantindo-lhes o início da contagem de prazo para fins de aposentadoria, conforme se infere do § 1º, do artigo 11º do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), vale à pena mencionar de positivo, ainda, que a Lei reforça esse direito, permitindo aos estagiários inscrever-se como segurado facultativo do citado Regime.
Todavia, inobstante a Lei contenha inúmeros pontos positivos, existe um bastante polêmico, que é o constante do seu artigo 17, o qual limita a contratação do número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes ao estágio. Por esse dispositivo, deverão ser atendidas as seguintes proporções: (i) de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário; (ii) de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários; (iii) de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários; e (iv) acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários.
Por sorte, essa regra ao que tudo indica não vale para os estágios de nível médio profissional e de nível superior, portanto, para os estagiários de Direito, pois o § 4º do mesmo dispositivo excepcionou a sua aplicação para os referidos níveis. Não fosse isso, o Governo implantaria um verdadeiro caos para os escritórios de advocacia, assim como para as demais empresas em geral, pois somando-se o aumento de custos com a contratação de estagiários, a restrição em relação ao número máximo de empregados decerto poderia gerar maior escassez de vagas para estágio.
Ao final, a meu ver, a Lei do Estágio apresenta pontos mais positivos do que negativos, e caberá aos escritórios de advocacia que ainda não se encontrem dentro dessas regras, fazer suas adaptações o mais breve possível, de modo a valorizarem essa importante e imprescindível ferramenta de trabalho.
Jornal Carta Forense, quinta-feira, 2 de outubro de 2008