News Tributário Nº 814

25 . 04 . 2023

Solução de Consulta COSIT nº 75/2023: IRRF sobre a Remessa de valores ao Exterior para Adquirir/Renovar Licença de Uso Temporária de Softwares de Prateleira

No dia 11.04.2023, foi publicada a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal (“COSIT”) nº 75 (“SC COSIT nº 75/2023”), por meio da qual as Autoridades Fiscais expressaram seu entendimento de que os valores remetidos para residente ou domiciliado no exterior, pelo usuário final que adquire ou renova licença de uso de software, independentemente de customização específica, caracterizam-se como royalties e estão sujeitos à incidência de Imposto sobre a Renda na Fonte (“IRRF”) à alíquota de 15% (quinze por cento) ou, na hipótese em que o beneficiário for residente ou domiciliado em país com regime de tributação favorecida/paraíso fiscal, à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)[¹].

Destacamos, de início, que a COSIT trouxe, novamente, em referida SC COSIT nº 75/2023, preceitos/conclusões alcançados pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) no ora denominado “Novo Posicionamento STF Software” (decorrente do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.659 e 1.945, realizado em 2021), passando a entender que:

(a)  a atividade de licenciamento ou cessão de direito de uso de qualquer modalidade de Software é operação mista ou complexa, envolvendo, além da “obrigação de dar” um bem digital, uma “obrigação de fazer”, presente no esforço intelectual (i.e. resultante do intelecto humano) e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário, como, por exemplo, a disponibilização de manuais, atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato de licenciamento ou de cessão de uso;

(b)  ainda que realizada por transferência eletrônica de dados, deve se submeter ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”), e não ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (“ICMS”), sob o fundamento de que essa atividade se enquadra no item 1.05 da Lei Complementar nº 116/2003 (“Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”), caracterizando-se como prestação de serviço, para fins de incidência do ISS, e não venda de mercadorias.

Este posicionamento já havia sido refletido/adotado em outra recente manifestação das Autoridades Fiscais, i.e. na Solução de Consulta COSIT nº 36, de 2023 (“SC COSIT nº 36/2023”)[²], que tratou do percentual de presunção do Lucro Presumido para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, sobre qualquer modalidade de licenciamento de Softwares (de Prateleira ou Personalizados), estabelecendo que este deve ser de 32% (trinta e dois por cento), aplicável a prestações de serviço.

Contudo, na SC COSIT nº 75/2023 em questão, o entendimento da COSIT, apesar de também adotar os preceitos do Novo Posicionamento STF Software, foi por enquadrar a remuneração pela licença temporária de uso de software (de prateleira) como royalties, para fins de incidência do IRRF nas remessas ao exterior.

Como veremos adiante, mesmo antes do Novo Posicionamento STF Software, este enquadramento (como royalties) já foi dado pela COSIT nas remessas de licença de software ao exterior, para fins das Contribuições Sociais ao Programa de Integração Social (“PIS”) e para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), na modalidade sobre a importação de bens e serviços (“PIS/COFINS-Importação”). Porém, como abordado ao final deste informativo, será importante observar se a COSIT manterá seu posicionamento como royalties para fins das incidências tributárias federais sobre remessa de licenciamento de uso de software, mesmo com o Novo Posicionamento STF Software, pois esta distinção de enquadramento entre royalties e serviços será o ponto crucial para determinar o devido tratamento tributário e alíquota aplicável.

­Elementos Trazidos pelo Contribuinte Consulente na SC COSIT nº 75/2023

Ao introduzir as circunstâncias fáticas de seus questionamentos e suas conclusões sobre o tema – i.e. pela não incidência de IRRF nas Remessas efetuadas ao exterior para adquirir/renovar licença de uso (próprio) dos Softwares de Prateleira –, o Consulente trouxe os seguintes elementos/argumentos à COSIT:

(a)  para viabilizar o desempenho de suas atividades, na qualidade de usuário final, efetua remessas ao exterior com o objetivo de adquirir (ou renovar) licença de uso temporária de softwares (i.e. contratos com prazo determinado, sendo essas licenças, periodicamente, renovadas) não customizados (softwares standard ou “Softwares de Prateleira”).

(b)  referidas remessas para aquisição de Softwares de Prateleira não caracterizariam remuneração por direitos autorais (royalties), tampouco por serviços prestados, de modo que, a seu ver, a operação não estaria sujeita à tributação pelo IRRF.

(c)  há manifestações das Autoridades Fiscais sobre cenários que tangenciam o narrado acima, quais sejam:

Solução de Consulta Vinculada (“SCV”) da Divisão de Tributação da Superintendência Regional da Receita Federal – 6ª Região Fiscal nº 6.014, de 17.08.2018 (“SCV nº 6.014/2018”), vinculada à Solução de Divergência COSIT nº 18, de 27.03.2017 abaixo mencionada, no sentido de que não há incidência do IRRF nas remessas efetuadas ao exterior em contraprestação pelo licenciamento de Software de Prateleira quando destinado ao uso próprio (escopo este que, aparentemente, condiz com os fatos narrados pelo Consulente na SC COSIT nº 75/2023);

Solução de Divergência COSIT nº 18, de 27.03.2017 (“SD COSIT nº 18/2017”), que diferenciou as licenças para uso próprio (as quais permaneceriam, no caso de Softwares de Prateleira, não sujeitas ao IRRF, apesar deste não ter sido o objeto da SD em questão) e as licenças para comercialização ou distribuição de softwares (objeto da SD, cuja remuneração passou a ser considerada pela COSIT, a partir deste momento, como royalties), reformando, assim, exclusivamente para as licenças de comercialização ou distribuição de softwares, o posicionamento anterior da Solução de Divergência COSIT nº 27, de 30 de maio de 2008 (“SD COSIT nº 30/2008”), no sentido de que quaisquer Softwares de Prateleira não deveriam se sujeitar à incidência do IRRF; e

Solução de Consulta COSIT nº 407, de 05.09.2017 (“SC COSIT nº 407/2017”), que, tratando de pagamentos realizados no mercado doméstico (i.e. entre consumidor/usuário final e fornecedor no território nacional, sem remessas ao exterior) reconhece, dentre outros temas, não se sujeitar à incidência do IRRF a licença de uso de software desenvolvido e licenciado de forma geral e não exclusiva (Software de Prateleira), utilizável em diversos tipos de segmento de mercado, bem como aquele da espécie customizável.
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­Conclusões da Autoridade Fiscal na SC COSIT nº 75/2023

Em face desses argumentos, a COSIT, por meio da SC COSIT nº 75/2023, estabeleceu que:

(a) as manifestações apresentadas pelo Consulente (SC DISIT/SRRF06 nº 6.014/2018, SD COSIT nº 18/2017, SD COSIT nº 30/2008 e SC COSIT nº 407/2017), são inaplicáveis ao caso em tela, uma vez que:

a. versam acerca de objetos semelhantes, mas não sobre normas jurídicas idênticas das apresentadas pelo Consulente, de modo que não vinculam a conclusão da SC COSIT nº 75/2023, pois Soluções de Consulta/Divergência COSIT não se prestam à vinculação de Consultas com objetos distintos, sob pena de afrontar o artigo 34 da Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.058, de 2021 (“IN RFB nº 2.058/2021”);

b. baseavam-se em antigo posicionamento do STF, que distinguia o licenciamento ou cessão de Software de Prateleira, cuja natureza se aproximava à de mercadoria, sujeitando-se ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (“ICMS”), do licenciamento de software personalizado sob encomenda (“Software Personalizado”), cuja natureza se aproximava à de serviço, sujeitando-se ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”) (“Antigo Posicionamento STF Software”).

(b) o STF alterou o Antigo Posicionamento STF Software, passando a adotar, a partir de 2021, o Novo Posicionamento STF Software, entendendo que a atividade de licenciamento ou cessão de direito de uso de qualquer modalidade de Software contém “obrigação de fazer”, presente no esforço intelectual (i.e. resultante do intelecto humano) e nos demais serviços prestados ao usuário; e que, consequentemente, deve se submeter ao ISS, não ao ICMS, caracterizando-se, para fins de incidência do ISS, como prestação de serviço.

(c) Apesar de a atividade de licenciamento/cessão de direto de uso de software estar na Lista de ISS, isso não afasta natureza de remuneração de Direito Autoral (reconhecida pelo STF), que tem enquadramento próprio para fins de IRRF; nesse sentido, conjugando o Novo Posicionamento STF Software com dispositivos da Lei nº 9.610, de 1998 (“Lei dos Direitos Autorais”) e da Lei nº 9.609, de 1998 (“Lei dos Softwares”) e da Lei nº 4.506, de 1964 (que define o conceito de royalties), a COSIT definiu que:

a. as remessas ao exterior relativas a licenciamento de uso de softwares constituem essencialmente uma remuneração pela utilização do “direito de uso” de uma produção intelectual protegida por direito autoral, de modo que o fato de o licenciamento de uso de Software constar no item 1.05 da Lei Complementar nº 116/2003 em nada afeta esta essência/substância da natureza da remessa;

b. Nos termos do artigo 22 da Lei nº 4.506/1964, “são classificados como “royalties” os “rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos”, tais como a exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.”

c. Assim, as remessas efetuadas pelo Consulente, em realidade, estão remunerando os direitos autorais do Software e devem ser classificadas como royalties, se sujeitando às alíquotas de 15% (quinze por cento) ou 25% (vinte e cinco por cento), conforme artigos 767 e 748 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, independentemente da modalidade do Software e de a licença ser temporária ou definitiva.

­Reflexos dos Recentes Posicionamentos da COSIT (Alguns Pontos Polêmicos Permanecem Incertos)

De modo geral, podemos concluir que a COSIT, como já se esperava diante da fundamentação da SC COSIT nº 36/2023, está buscando alinhamento com o Novo Posicionamento STF Software. Entretanto, como vimos pela recente SC COSIT nº 75/2023, isso não implicará, necessariamente, enquadramento, para fins dos tributos federais, como “remuneração por serviço”, na medida em que pode haver enquadramento mais preciso e específico na legislação federal de cada tributo incidente sobre remessa.

IRRF: O objeto questionado pelo Consulente na SC COSIT nº 75/2023 foi estritamente sobre incidência de IRRF nas remessas ao exterior para adquirir e renovar licenças temporárias de uso de softwares. Apesar de, ao longo da íntegra, a COSIT ter de certa forma expressado opinião também sobre licença de uso de software definitiva, resta dúvida se, nos termos do artigo 34 da IN RFB nº 2.058/2021 (aplicação/vinculação da consulta apenas aos casos de objeto idêntico), o entendimento da SC COSIT nº 75/2023 apenas produz efeitos para fins de IRRF sobre remessas para adquirir/renovar licenças temporárias de uso de softwares (objeto da consulta). 

CIDE: Em que pese a SC COSIT nº 75/2023 tenha enquadrado as remessas de licença de uso temporárias de software como royalties e, regra geral, royalties pagos por fonte situada no Brasil a beneficiário no exterior ser fato gerador da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”), há regra específica no artigo 2º, §1º-A, da Lei nº 10.168, de 29.12.2000 (“Lei nº 10.168/2000”), que estabelece a “não incidência” da CIDE nas remessas ao exterior relacionadas ao licenciamento de uso ou de comercialização de programa de computador, desde que não haja a transferência de tecnologia. Assim, em tese, independentemente da natureza jurídica adotada (e.g. royalties ou serviços), a não incidência de CIDE, prevista na Lei, deve prevalecer. Em linha com esse entendimento, inclusive, seguiu a Solução de Consulta COSIT nº 146, de 2019, que, reformando a Solução de Consulta COSIT nº 74, de 2019, externalizou o racional de que ainda que a remessa para fins de licenciamento de software possua natureza de royalties, não há incidência de CIDE, desde que não haja transferência de tecnologia.

PIS/COFINS-Importação: há eventual incerteza com relação ao PIS/COFINS-Importação, caso COSIT pretenda, no futuro, adequar a tributação destas contribuições ao Novo Posicionamento STF Software nos termos da SC COSIT nº 36/2023, editada no início do ano (i.e. tributar como prestação de serviços). Contudo, atualmente, e alinhadas à SC COSIT nº 75/2023, estão vigentes, para fins de PIS/COFINS-Importação (entre outras): as Soluções de Consulta Vinculada COSIT nº 99.004, de 2019, de Divergência COSIT nº 2, de 2019 e de Consulta COSIT nº 43, de 2021 (sobre licenciamento para comercialização/distribuição de softwares) e a Solução de Consulta nº 316, de 2017 (sobre licenciamento de uso de softwares), enquadrando estes valores como royalties, cujas remessas não teriam incidência dessas Contribuições, desde que o montante remetido ao exterior seja discriminado na documentação que fundamenta a operação, de modo a distinguir os valores relativos a royalties de eventuais valores de serviços.

TDT: no que tange ao enquadramento em eventual tratado para evitar a dupla tributação (“TDT”) aplicável à remessa, faz-se necessário avaliar cada caso concreto, que poderá impactar o tratamento fiscal (para fins de IRRF) das remessas relativas a licenciamento de softwares.

A equipe da Consultoria Tributária está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos acerca deste tema.

 

Equipe responsável: Consultoria Tributária – Tributos Diretos 

Fernanda Junqueira Calazans
fernanda.calazans@velloza.com.br
(11) 3145-0954

Elisa da Costa Henriques
elisa.henriques@velloza.com.br
(11) 3145-0954

Juliana Hernandes Curiel Bastos
juliana.curiel@velloza.com.br
(11) 3145-0082

Denys Murakami Yamamoto
denys.yamamoto@velloza.com.br
(11) 3145-0959

 


[¹] Nos termos do artigo 24 da Lei nº 9.430, de 1996.
[²] Para maiores informações: https://velloza.com.br/news-tributario-no-804.­

 

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ESTE BOLETIM É MERAMENTE INFORMATIVO E RESTRITO AOS NOSSOS CLIENTES E COLABORADORES. FICAMOS À DISPOSIÇÃO PARA EVENTUAIS ESCLARECIMENTOS SOBRE A(S) MATÉRIA(S) AQUI VEICULADA(S).