News Tributário Nº 804

06 . 03 . 2023

Solução de Consulta COSIT nº 36/2023: licenciamento de uso de softwares e adequação dos percentuais de presunção do lucro presumido diante do julgamento do STF

Publicada em 15.2.2023, a Solução de Consulta COSIT (“SC COSIT”) nº 36 alterou o entendimento da Receita Federal do Brasil (“RFB”) a respeito do percentual de presunção aplicável, no regime de tributação com base no lucro e resultado presumidos (“Lucro Presumido”), sobre o licenciamento de direito de uso de programas de computador (software), o qual passou a ser de 32% (trinta e dois por cento) tanto para fins de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), quanto de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), independentemente da modalidade do software, i.e. se standard (ou de prateleira); ou se sob encomenda/desenvolvido especificamente para usuário.

Com efeito, anteriormente, vigiam as SC COSIT nº 123/2014 e 269/2019, as quais estabeleciam tais percentuais de presunção em:

•  8% (oito por cento) e 12% (doze por cento) para IRPJ e CSLL, respectivamente, para venda (desenvolvimento e edição) de software pronto para o uso (standard ou de prateleira), ainda que adaptado ou customizado, sob o fundamento de que se tratava de venda de mercadoria,

•  32% (trinta e dois por cento) para IRPJ e CSLL, para o desenvolvimento de programa aderente às necessidades do cliente que implique nova versão do produto ou significativas alterações, por prevalecer a natureza de prestação de serviço.

Essas Soluções de Consulta baseavam-se em antigo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (“STF”), que distinguia o licenciamento e a cessão de “software de prateleira”, cuja natureza se aproximava à de mercadoria, sujeitando-se ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (“ICMS”), do licenciamento de software personalizado sob encomenda, cuja natureza se aproximava à de serviço, sujeitando-se ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”) (“Antigo Posicionamento STF Software”).

No entanto, o STF alterou este posicionamento, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 5.659 e 1.945 em 2021 (“Novo Posicionamento STF Software”), passando a entender que a atividade de licenciamento ou cessão de direito de uso de qualquer modalidade de Softwares, ainda que realizada por transferência eletrônica de dados, deve se submeter ao ISS, não ao ICMS, sob o fundamento de que essa atividade, qualquer que seja a modalidade de softwares, se enquadra no item 1.05 da Lei Complementar nº 116/2003 (“Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”), caracterizando-se como prestação de serviço, não venda de mercadorias.

Nesse contexto, apesar de o julgamento do STF versar exclusivamente sobre ISS e ICMS, a RFB reconheceu, na recente SC COSIT nº 36/2023, que “pode eventualmente repercutir na aplicação de leis que instituem tributos federais e que se utilizam desses mesmos conceitos para fixar as hipóteses de incidência ou mesmo para estabelecer alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas”.

Entretanto, foi ressaltado que este entendimento não se aplica de forma automática à Legislação Tributária Federal, especialmente quando há SC COSIT vigente em sentido contrário. Nesses casos, “o exame deve ser realizado principalmente à luz dos dispositivos legais de cada tributo e, na reavaliação de precedentes administrativos, é relevante considerar inclusive a pertinência ou superação dos fundamentos que os nortearam”.

Nesse sentido, para que ocorra a produção de efeitos na esfera federal, a COSIT deve editar e/ou reformar os respectivos Atos Normativos e/ou Soluções de Consulta/Divergência para refletir o novo entendimento do STF.

Foi exatamente como a RFB procedeu ao editar a SC COSIT nº 36/2023, por meio da qual passou a estabelecer que o percentual de presunção do Lucro Presumido, sobre qualquer modalidade de licenciamento de softwares (“de prateleira”, customizados ou desenvolvidos sob medida para o usuário), será de 32% (trinta e dois por cento) para o IRPJ e a CSLL, percentual aplicável às prestações de serviço, para se adequar ao Novo Posicionamento STF Softwares.

Nessa hipótese, de acordo com a Instrução Normativa RFB nº 2.058, de 9.12.2021 (“IN RFB nº 2.058/2021”)[¹], como a nova orientação é mais onerosa ao contribuinte, passa a ser aplicada apenas aos fatos geradores ocorridos após a data de sua publicação na Imprensa Oficial (i.e., após 15.2.2023).

Essa questão é relevante pois pode trazer implicações ao entendimento externado pela RFB sobre outras matérias, e.g., Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) e Contribuições Sociais ao Programa de Integração Social (“PIS”) e para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), na modalidade incidente sobre a importação de bens e serviços (“PIS/COFINS-Importação”), sobre remessas ao exterior para pagamento de software desenvolvido e licenciado no exterior.

Com efeito, com relação ao IRRF sobre tais remessas, permanece vigente a SC COSIT nº 407/2017, editada em linha com o Antigo Posicionamento STF Software, no sentido de que a retenção do IRRF é devida apenas nos casos de software desenvolvido e licenciado sob encomenda (exclusivo), mas não sobre o software desenvolvido e licenciado de forma geral, não exclusiva (software de prateleira).

Já acerca do PIS/COFINS-Importação, estão vigentes as SC COSIT nº 99.004/2019, a Solução de Divergência COSIT nº 2/2019 e a SC COSIT nº 43/2021, as quais estabelecem que não há incidência dessas contribuições sobre tais Remessas, sob o fundamento de que, preenchidas certas condições, tais valores configuram Royalties, não serviços.

Todavia, com a adequação da SC COSIT nº 36/2023 ao Novo Posicionamento STF Softwares, caracterizando o licenciamento e a cessão do direito de uso de softwares, independentemente da modalidade, como prestação de serviço, pode-se esperar que também venham a ser adequadas as Soluções de Consulta/Divergência COSIT citadas acima, com relação ao IRRF e ao PIS/COFINS-Importação.

Por fim, vale destacar que, para cada caso concreto, faz-se necessário avaliar eventual tratado para evitar a dupla tributação (“TDT”) aplicável, o qual pode impactar o enquadramento jurídico das remessas relativas a licenciamento de softwares e o país competente para tributá-las.

A equipe da Consultoria Tributária está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos acerca deste tema.

 


[¹] Art. 26. Na hipótese de alteração do entendimento expresso em solução de consulta de que trata esta Instrução Normativa, a nova orientação será aplicada apenas aos fatos geradores ocorridos após a data de sua publicação na Imprensa Oficial ou após a data da ciência da solução pelo consulente, exceto se a nova orientação lhe for mais favorável, caso em que será aplicada, também, ao período abrangido pela solução anteriormente dada.

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