Entrevista com Dr. Leonardo Andrade, Sócio V&G.
Consultor Jurídico
São Paulo
Por Lívia Scocuglia
Por ser especial, norma internacional que evita bitributação entre países deve prevalecer sobre lei interna que regula o Imposto de Renda. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao determinar que a Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) não é obrigada a reter na fonte o Imposto de Renda sobre pagamentos de serviços prestados por empresas estrangeiras no Brasil.
O caso abordou, de forma inédita na corte, o conceito de lucro de empresa estrangeira. Para a 2ª Turma do STJ, ao determinar que esses rendimentos fossem tributados no país da sede das empresas estrangeiras prestadoras dos serviços, os tratados de bitributação entre Brasil e Alemanha e Brasil e Canadá — Decretos 76.988/1976 e 92.318/1986 — não se referiram apenas ao lucro real apurado no fim do exercício pelas empresas, mas também a recebimentos que interfiram no resultado, chamados de “lucros operacionais” pelos ministros. O lucro operacional está previsto nos artigos 6, 11 e 12 do Decreto-lei 1.598/77 como “resultado das atividades principais ou acessórias, vinculadas ao objeto social da pessoa jurídica”.
O Recurso Especial, interposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, foi relatado pelo ministro Castro Meira, acompanhado por unanimidade pela Turma. O entendimento se baseou no artigo 98 do Código Tributário Nacional, que dispõe que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.
Segundo os artigos VII e XXI das Convenções contra a Bitributação acordados entre Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá, rendimentos não expressamente mencionados na Convenção serão tributáveis no Estado onde se originam. Foi de onde a Receita Federal tirou a interpretação de que os recebimentos por serviços prestados no Brasil pelas empresas estrangeiras à Copesul teriam de ser tributados aqui, já que, a rigor, não são o lucro mencionado nas convenções. Para a União, esses rendimentos deveriam ser tributados de acordo com o artigo 7º da Lei 9.779/1999 e 685, inciso II, alínea “a”, do Decreto 3.000/1999.
Além disso, para o fisco, tratados contra dupla tributação assinados pelo Brasil não se baseiam no critério do domicílio da pessoa que obtém renda, mas no critério da fonte, o que atribui o poder de tributar ao Estado em que tenham sido produzidos os rendimentos, ou no território em que tenha ocorrido sua disponibilidade econômica ou jurídica.
Na primeira instância, o pedido da empresa para que a tributação fosse afastada foi negado. Ela foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios à base de 10% sobre o valor da causa, fixado em R$ 30 mil.
A empresa recorreu e a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria de votos, deu provimento a apelação: “Os rendimentos de um residente de um Estado contratante provenientes do outro Estado contratante e não tratados nos artigos precedentes da Convenção serão tributáveis nesse outro Estado”, decidiu a corte.
No STJ, o ministro Castro Meira concordou com o TRF, entendendo que, “se considerado o lucro das empresas estrangeiras, o valor remetido pela Copesul somente será tributável pelo Imposto de Renda no Estado em que domiciliadas aquelas, neste ponto produzindo efeito o convencionado entre os dois Estados para fins de evitar a dupla tributação”.
Segundo um dos advogados da Copesul, Leonardo Andrade, sócio do Velloza & Girotto Advogados Associados, o STJ considerou o valor bruto remetido ao exterior como lucro: “O motivo é que esse valor, por corresponder a uma receita operacional, comporá os resultados das empresas no exterior e somente lá é que o imposto poderá ser cobrado”. Segundo o tributarista, a interpretação da Receita Federal tornaria sem efetividade as convenções contra bitributação.