Eleição impulsionou interesse em enviar dinheiro para fora

05 . 11 . 2014

Valor Econômico

Entrevista com o Dra. Monique Haddad Knochelman Azevedo, Advogada Associada V&G.

Por Luciana Seabra | De São Paulo

José Augusto Miranda, do HSBC: “Os EUA são bem rigorosos com a documentação exigida [para abertura de conta]”

No primeiro dia após o resultado das eleições, quando abriu seu computador pela manhã, Octavio Cardoso, vice-presidente da consultoria Westchester Financial Group, encontrou 80 e-mails de brasileiros em vez dos dois ou três costumeiros. De Boca Raton, na Flórida, Cardoso respondeu à pergunta que donos de grandes patrimônios faziam à empresa, especializada no planejamento sucessório e tributário internacional: como mandar recursos para fora do país. No mesmo dia, outra consultoria tributária, a Drummond, recebia em seus escritórios em Nova York, Miami, Boston e São Paulo 30 e-mails e ligações com o mesmo tema, bem acima dos cinco ou seis que costuma receber diariamente.

A busca por informações de como aplicar recursos fora cresceu nos últimos meses, desde o começo da campanha eleitoral, em quatro gestores de fortunas, três escritórios de direito e duas consultorias especializadas no mercado internacional ouvidas pelo Valor. “Na semana do primeiro turno, viajei ao Rio Grande do Sul só para conversar com uma família que queria saber sobre mandar dinheiro para fora”, diz um gestor de patrimônio que preferiu não ser identificado.

Os fundos que investem recursos no exterior, produtos que se multiplicaram no Brasil de um ano para cá, nem sempre são suficientes para atender à demanda desse cliente, dizem os gestores de fortunas. Isso porque essas pessoas têm buscado garantir que parte de seu portfólio não tenha qualquer vínculo com o Brasil. O temor de mudanças repentinas de regras para investimento, da imposição de limites para converter moeda e da tributação de grandes fortunas estão entre os argumentos desses donos de patrimônios ávidos por informações sobre remessa de recursos.

Apesar de os prestadores de serviços apontarem o anseio por informação, não há dados disponíveis para avaliar o real fluxo de recursos para fora do país. As informações mais recentes de investimentos brasileiros em carteira no exterior são de 2013, quando somavam US$ 25,44 bilhões, superiores aos US$ 22,12 bilhões de 2012. A quantidade de declarantes, que já tinha subido 22% entre 2011 e 2012, avançou 16% em 2013, para 30.573, sendo 27.014 pessoas físicas.

Os investimentos no exterior via fundos, segundo levantamento mais recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), referentes a 24 de outubro, alcançavam R$ 59,76 bilhões, uma fatia equivalente a apenas 2,23% do total da indústria de fundos.

Algumas famílias têm remetido uma parcela relevante do dinheiro para fora, segundo Samir Choaib, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados. “Temos casos de clientes que mandaram algo como 80% da liquidez, com medo de uma medida arbitrária. Muitos estão com metade do dinheiro fora”, diz o advogado, considerando que manter uma fatia de 20% a 30% do patrimônio no exterior costumava ser um comportamento mais comum entre donos de grandes patrimônios.

Choaib não vê motivo para tal comportamento. “Esse receio que muita gente tem, de medidas mais arbitrárias, acho difícil acontecer, não tem ambiente jurídico para isso”, diz. “Não tem base legal para qualquer tipo de medida do tipo bloqueio e confisco. Ainda que algo passasse, cairia no judiciário”, completa.

Há muitas formas legais hoje de se ter uma parcela dos recursos fora do país. O caminho mais simples é abrir uma conta em um banco fora. Em geral os bancos e gestores de fortunas oferecem o serviço a clientes de alto patrimônio. Para bolsos menos fartos, é mais difícil. Questionados pela reportagem, Bradesco, Itaú e Santander informaram que não têm o serviço para clientes do varejo alta renda, ou seja, das bandeiras Prime, Uniclass, Personnalité, Van Gogh e Select.

O HSBC abre conta para clientes brasileiros nos EUA, na Europa ou na Ásia, desde que ele queira remeter valores superiores a US$ 100 mil. É preciso ser correntista do banco no Brasil. O próprio gerente faz a ponte com a instituição fora e o cliente interage com uma área internacional que busca entender suas necessidades, apresentar as alternativas de investimento e tratar das questões burocráticas.

“Os Estados Unidos são hoje bem rigorosos com a documentação exigida, que é bem grande”, diz José Augusto Miranda, chefe de gestão de patrimônio do HSBC, área responsável pelo segmento Premier. Em geral, segundo ele, a conta é aberta em até 30 dias.

O Citi Brasil informou, em nota, que não abre conta de clientes em outros países. “O que fazemos é, quando procurados pelo cliente local que tem uma necessidade específica, referenciá-lo para a filial internacional, que conduz todo o processo de análise e abertura de contas lá fora, seguindo os procedimentos normais do país em questão”, afirmou.

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Ainda que nem sempre seja possível abrir conta no exterior por meio do próprio banco no Brasil, qualquer pessoa pode fazer isso indo diretamente à instituição financeira no exterior, diz Monique Haddad Azevedo, advogada associada do Velloza & Girotto Advogados Associados.
Ainda há, entretanto, uma aura negativa em relação a investimentos fora. “Os clientes nos perguntam se há alguma ilegalidade em ter conta no exterior. Não tem”, afirma Monique. “A ilegalidade está na medida em que ele não declarar a propriedade e os rendimentos advindos dela”, completa, lembrando que a legislação define que, não importa onde a renda for ganha, ela deve ser tributada no Brasil.

Além da declaração anual do imposto de renda, quem tem ativos superiores a US$ 100 mil fora – o que inclui participação em empresas, títulos de renda fixa, ações e imóveis – é obrigado a preencher anualmente a declaração de capitais brasileiros no exterior do Banco Central.

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