Valor Econômico
São Paulo
Entrevista com Dra. Graciela Barros, Advogada Associada V&G.
Por Luciana Seabra | De São Paulo
Quem aplica em fundos de investimento por meio de um agente autônomo pode até não saber que faz isso, mas deve receber em breve um comunicado que explicita essa relação. De dois meses para cá, os agentes autônomos têm sido avisados por distribuidores de que seu papel nesse mercado será apresentado ao cliente final. O investidor será informado, por exemplo, da prática de pagamento de comissões, o chamado “rebate”. Os distribuidores se movimentam para obedecer à instrução 497 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao código de autorregulação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Com isso, toda uma discussão sobre potenciais conflito de interesses, ainda muito concentrada no universo dos gestores, poderá chegar ao mundo do investidor.
Os agentes autônomos são como tentáculos, que ligam distribuidores de fundos a investidores. Há diferentes modelos, em que uma das principais diferenças é qual das duas pontas paga por esse serviço de intermediação: quem oferta a carteira ou o cliente. É uma situação semelhante, por exemplo, a do mercado de decoração. Na hora de montar sua casa, um cliente pode querer pagar menos ao profissional e deixar que ele receba comissões das lojas de móveis. Corre o risco de comprar um sofá de pior qualidade porque a loja que vende o bom produto não remunera o profissional ou paga comissões menores. Ou o cliente pode preferir um decorador com independência para escolher. Nesse caso, é provável que tenha que pagar mais pelo serviço.
De uma forma ou de outra, provavelmente o cliente vai querer conhecer os dois modelos de remuneração e escolher entre eles. A mesma lógica vale para a distribuição de fundos de investimento pelos chamados agentes autônomos. Eles podem abrir mão da comissão e encontrar um modelo em que são remunerados pelo cliente. Ou, o que é mais comum, receber uma parcela da taxa de administração paga pelo cliente no fundo. Neste caso, entretanto, os reguladores determinaram que o cliente seja informado sobre o formato. E as instituições começaram a se movimentar para cumprir a regra.
“Tenho certeza de que em um primeiro momento vai ter uma estranheza de alguns clientes, o que vai mostrar que a relação não era tão clara antes”, diz Alberto Elias, responsável pela área de administração de fundos da BNY Mellon. O braço de distribuição da instituição enviou em janeiro um comunicado aos agentes autônomos que vendem seus fundos. Nele, anexou o documento que deve ser assinado pelos clientes no próximo recadastramento, em que detalha o papel do agente autônomo. “Pode ter um soluço aí, mas haverá um impacto positivo de transparência”, afirma Elias.
O braço de distribuição do Safra, segundo o Valor apurou, também enviou, em dezembro, um informativo aos agentes autônomos que vendem seus fundos. Nele, diz que vai encaminhar aos clientes o comunicado em que dá ciência sobre a comissão. No texto, informa que o agente autônomo recebe uma remuneração mensal equivalente a um percentual da taxa de distribuição, incidente sobre o montante aplicado pelo cotista nos fundos. O documento também informa ao investidor regras da relação, como a proibição para que agentes autônomos usem as senhas ou assinaturas eletrônicas do investidor.
Fazer esse tipo de comunicado, segundo a CVM, é uma determinação da instrução 497. O documento afirma que cabe ao distribuidor “comunicar aos clientes o regime de atuação dos agentes autônomos de investimento, seus limites e vedações”. Define ainda que a comunicação deve ser feita por meio de documento próprio, devendo o distribuidor “tomar todas as medidas necessárias para certificar-se da sua recepção pelo cliente e da compreensão do seu conteúdo”.
A instrução da CVM entrou em vigor em 1º de janeiro de 2012, mas as instituições ainda estão se adaptando. Inicialmente, o documento movimentou o mercado pela determinação de que os agentes autônomos deveriam ter vínculo exclusivo com uma corretora. A regra de uma ligação única não vale para fundos. “Quando a norma entrou em vigor, a preocupação era adequar a exclusividade. Essa foi a grande correria. Essas outras adequações acabaram ficando um pouco para frente”, diz Graciela Barros, advogada do Velloza & Girotto Advogados.
A partir da obrigatoriedade de informação, a autarquia abre um caminho para que o investidor ao menos questione a existência de um potencial conflito de interesses nesse mercado. Quando é remunerado pelo distribuidor, o agente autônomo não seria incentivado a ter um viés de oferecer os fundos que lhe proporcionam comissões mais fartas e não os melhores? “Isso é ruim para o investidor porque quem precisa pagar mais para ser vendido costuma ser pior. Esse é um jogo perverso”, diz José Eduardo Martins, sócio da gestora de patrimônio GPS. Segundo ele, muitos dos melhores portfólios do mercado não oferecem o rebate. Para evitar o conflito, a gestora opta por não receber comissão de distribuidores, sendo remunerada somente pelo cliente.
Há outro potencial conflito quando se compara, dentro de uma mesma estratégia, um fundo conservador com um mais arrojado, mas com rebates idênticos, diz George Wachsmann, sócio da GPS. O agente autônomo pode preferir investir R$ 1 milhão no primeiro, afirma, a aplicar R$ 500 mil no segundo, já que sua comissão é um percentual desse valor. “É como quando você vai ao supermercado e tem o suco pronto ou extrato. O extrato custa mais, mas faz 20 litros de suco”, exemplifica. Quem recebe rebate, diz, ficaria tentado a comprar o suco pronto.
Assim como quando contrata um decorador, entretanto, o cliente tem que pagar um preço caso deseje independência. Até mesmo porque esse tipo de serviço dificilmente está disponível para bolsos menos recheados. O cliente pode preferir, assim, que o agente autônomo seja remunerado pelo distribuidor. Ciente de um potencial conflito, entretanto, estará mais atento às implicações desta opção.
“Quando você vai comprar um imóvel, sabe que o corretor é comissionado pelo que vender. Já no mercado de investimentos, em geral, a relação é meio nebulosa. Acho que a transparência vai ser muito positiva”, diz Guilherme Horn, presidente da Órama, um agente autônomo que oferece fundos pela internet. A butique virtual, segundo ele, recebe rebate por algumas carteiras e não por outras. Para tentar eliminar o conflito, cria um fundo de cotas para cada carteira que oferece, cobrando uma taxa de administração adicional à do gestor original, de 0,6% ao ano. Assim, para os casos em que não há outro tipo de comissão, a Órama não ficaria tentada a deixar de oferecer a carteira já que seria remunerada pelo cliente.
Enquanto a BNY Mellon recorreu à instrução da CVM como justificativa para enviar seu comunicado, o Safra citou o código de regulação da Anbima. De fato, o capítulo de distribuição de fundos de investimento determina que o cotista seja informado, no momento de seu cadastramento, do regime de remuneração dos agentes autônomos. Define ainda que o comunicado seja feito por meio de documento próprio, “com evidência de recebimento pelo investidor”.
O capítulo da distribuição também é recente no código, segundo Euridson Sá, superintendente de representação da Anbima. “Ele passou, há cerca de um ano, a exigir maior transparência da informação na remuneração dos agentes autônomos”, diz. O fato é que a informação sobre o rebate deve, aos poucos, chegar às mãos do aplicador. “A verdade é que são poucos os investidores que leem esse tipo de informativo, o prospecto, a lâmina, o regulamento…”, diz Horn, da Órama. Resta esperar para ver se o cliente vai mesmo colocar o tema sobre a mesa.