DCI
Entrevista com a Dra. Graciela Casanova Barros, Advogada Associada V&G.
Medidas de estímulo visam facilitar o processo de abertura de capital e aproximar as companhias menores dos investidores por meio de isenção fiscal
Danylo Martins
SÃO PAULO – Nos últimos dez anos, a Bolsa brasileira registrou quase 150 IPOs (oferta inicial de ações), mas apenas dez empresas – menos de 10% – poderiam ser classificadas como pequenas ou médias companhias, com receita bruta no exercício anterior ao IPO de até R$ 500 milhões e valor de mercado inferior a R$ 700 milhões. Ainda dominado por grandes empresas, o mercado de capitais começa a abrir novas portas às PMEs. Com a publicação da Medida Provisória 651 no início do mês, entrou em vigor uma série de ações a fim de fomentar o investimento nessas empresas.
Uma das principais medidas é isentar, até 2023, os investidores pessoa física que obtiverem lucro ao negociar ações das empresas menores. Os fundos de investimento que contarem com pelo menos 67% desses papéis sob patrimônio também ficam isentos de Imposto de Renda. Segundo Cristiana Pereira, diretora comercial e de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa, a Medida Provisória significa praticamente concluir um trabalho de dois anos desenvolvido por um comitê coordenado pela Bolsa e formado por Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Agência Brasileira de Inovação (Finep), Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), além de diversas entidades e instituições públicas e privadas. “Há dois anos, formamos um grupo que visitou sete países para entender o funcionamento da oferta de ações de empresas menores nesses mercados, como Canadá, Polônia, Coreia do Sul e China”, conta Cristina.
O resultado do trabalho entre os órgãos e as entidades foi a elaboração de 12 propostas para tornar o mercado mais acessível às PMEs, sendo que algumas começam a ganhar forma a partir deste ano. Além da isenção de Imposto de Renda para investidores pessoa física, a Instrução 549, de 2014, editada pela CVM após audiência pública criou os fundos de investimento em ações – mercado de acesso (FMA). Como política de investimento, esses veículos terão de aplicar pelo menos dois terços do patrimônio em ações de companhias listadas no segmento de acesso. Constituídos como fundos fechados, os FMA também poderão investir até um terço do patrimônio em companhias fechadas. Segundo a CVM, a ideia é permitir que tais fundos possam acompanhar a evolução de empresas que ainda não realizaram oferta pública de ações, mas que tenham potencial de abrir capital futuramente.
“Outro objetivo é ter um segmento batizado de Bovespa Mais 2, cujas regras serão iguais às do Bovespa Mais [segmento de acesso criado em 2005]”, diz Cristiana. O diferencial do mercado de acesso é permitir que as companhias, ao se listarem no segmento, tenham até sete anos para contar com 25% de capital social em circulação no mercado. Além disso, para compor o conselho de administração são exigidos, no mínimo, três conselheiros, enquanto as empresas do Novo Mercado precisam contar com pelo menos cinco conselheiros. O Bovespa Mais 2, porém, está em fase de desenvolvimento.
Segundo a CVM, uma das principais metas é tornar o processo de oferta de ações cada vez mais fácil, sobretudo criando aparato às PMEs. “Há interesse das companhias. Existem pelo menos 200 empresas que se consideram preparadas para emitir ações, mas não encontram a janela de oportunidade”, diz Luciana Dias, diretora da CVM. A expectativa é de que o processo de entrada das PMEs no mercado de capitais aconteça aos poucos, afirma. Atualmente, apenas nove empresas estão listadas na Bolsa, sendo que duas delas fizeram oferta pública de ações, a Nutriplant em 2008 e a Senior Solution no ano passado.
Quando decidiu abrir capital, a empresa de fertilizantes Nutriplant estava no auge do crescimento e já não havia mais crédito bancário suficiente para financiar o bom momento, vivido entre 2004 e 2008. “O mercado de acesso tinha sido regulamentado em 2005 e nós tivemos a oportunidade de inaugurá-lo”, conta Ricardo Pansa, CEO e diretor de RI da companhia. Antes do IPO, a empresa havia registrado receita de R$ 38,5 milhões. No ano passado, o faturamento subiu para R$ 52 milhões. Segundo o executivo, a abertura de capital trouxe desafios de comunicação à empresa. “Tivemos de garantir os interesses dos investidores minoritários, mantendo a comunicação com eles, ou seja, levando o dia a dia da empresa para o mercado de capitais”, diz. Mesmo assim, os pontos positivos se sobrepõem às dificuldades. A possibilidade de alavancar o crescimento com custo menor do que por meio de captação via fundos de private equity é uma das principais vantagens ao acessar o mercado de capitais, segundo Pansa. Comparado com outros países, o custo para uma pequena ou média empresa abrir capital na Bolsa ainda é inferior. De acordo com estudos da BM&FBovespa, o gasto total de abertura de capital no mercado de acesso, o Bovespa Mais, é de 7,1% sobre o total captado. Em mercados de acesso como no AIM, da Bolsa de Londres, e no TSX Venture, da Bolsa de Toronto, as despesas totais chegam, respectivamente, a 7,7% e 14% sobre o total captado. “Mesmo assim, identificamos onde cortar custo, como a publicação em jornais de fatos relevantes e avisos sobre oferta pública de ações, cuja obrigatoriedade foi eliminada”, destaca Cristiana.
Na mesma direção, a Medida Provisória 651 dispensou as PMEs de publicar nos veículos impressos suas demonstrações financeiras anuais. “Se a companhia tiver até R$ 700 milhões de valor de mercado e R$ 500 milhões de faturamento máximo, ela tem essa dispensa e só terá de publicar a demonstração financeira no site da CVM e na página da Bolsa onde forem negociadas as ações”, diz a advogada especialista em mercado de capitais Graciela Monteiro Casanova Dias de Barros, do escritório Velloza e Girotto Advogados Associados. “Essa publicação nos jornais se tornava muito cara para pequenas e médias empresas, a medida acaba deixando-a mais acessível”, analisa a advogada. Outra novidade é a possibilidade de a empresa fazer a chamada oferta com esforços restritos, definindo para qual público vai oferecer as ações emitidas.”O maior benefício é a questão do tempo, já que essa oferta tem menos exigência e é feita mais rapidamente”, explica Cristiana, da BM&FBovespa. Segundo a executiva, a previsão é de que a norma seja editada pela CVM no segundo semestre.
Para Ana Claudia Akie Utumi, sócia responsável pela área tributária do escritório TozziniFreire, os estímulos às PMEs chegam em boa hora. “Essa tentativa de reaminar o mercado de capitais é muito positiva, tanto para as empresas quanto para os investidores”, diz. “O que eu tenho visto é que as empresas deixam tudo pronto para esperar uma janela de oportunidade, ou seja, o momento em que o mercado esteja disposto a uma nova emissão de ações. A partir do momento em que há estímulos, mais empresas buscam, porque [abrir capital] melhora a qualidade do funding”, reforça.
Na visão de Rodolfo Zabisky, CEO do grupo Attitude, consultoria de relações com investidores (RI), existe um fator cultural que desestimula o pequeno e médio empresário a buscar o mercado de capitais. “O empresário acha que é caro e burocrático, porque vai mostrar os dados, prestar contas”, diz. Para ele, há também uma aversão dos investidores às pequenas empresas, dada a baixa liquidez desses papéis. “Por isso, o mercado está morfético”, critica.
Segundo o professor de finanças da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), Mário Amigo, o mercado de capitais ainda não amadureceu. Além disso, na hora de abrir capital, a pequena ou média empresa precisa ponderar o cenário macroeconômico. “O país tem alta carga tributária, o custo de mão de obra tem aumentado significativamente. A gente está falando de uma economia que traz uma série de desafios. Por isso, a empresa precisa se preparar e ser competitiva”, diz.
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