Fonte: Valor Econômico
Entrevista com Dr. Luiz Girotto, Sócio V&G.
De: Alessandro Cristo, de São Paulo
A briga entre prefeituras e instituições financeiras quanto à incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre operações de leasing chegou ao Nordeste. No fim do ano passado, pelo menos 151 prefeituras dos Estados de Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte enviaram cobranças a bancos de todo o país exigindo o recolhimento do imposto, tomando como base de cálculo operações de arrendamento mercantil de veículos realizados dentro das fronteiras de seus municípios nos últimos cinco anos. A prática já está difundida nas cidades do Sul do país, que há três anos discutem a questão na Justiça. No Nordeste, porém, as cobranças são mais vorazes e incluem serviços como financiamentos e créditos diretos ao consumidor que, segundo defendem advogados de bancos, não são tributáveis pelo ISS.
A estratégia das prefeituras nordestinas é a mesma usada pelos municípios do Sul. As administrações contratam os serviços de algum dos poucos escritórios de advocacia especializados neste novo filão de mercado. A idéia é tentar tributar o leasing sob a alegação de que, se a operação foi feita no município, é lá que o ISS deve ser recolhido – enquanto os bancos defendem que devem recolher o tributo apenas no município onde estão localizadas suas sedes. A tese atrai os governos municipais porque, mesmo que as cobranças sejam contestadas na Justiça, a Lei nº 10.819, de 2003, permite que as administrações públicas saquem até 70% do valores depositados em juízo em processos judiciais que contestam as cobranças.
Em alguns casos, os serviços de advocacia contratados pelas prefeituras nordestinas vão além da sugestão de uma tese tributária. De acordo com o advogado Lauro Cavallazzi Zimmer, do escritório Bornhausen e Zimmer Advogados, seu cliente, o banco Bradesco, recebeu em dezembro do ano passado notificações de cobrança de ISS incidentes sobre operações de leasing, financiamento e crédito direto ao consumidor para a aquisição de veículos realizadas desde o ano de 2003 da Prefeitura de Caruaru, em Pernambuco. O valor total dos tributos cobrados pelo município era de R$ 33,2 milhões. Zimmer conta que as notificações mencionavam que possíveis contestações às cobranças deveriam ser enviadas a um escritório de advocacia com sede em Recife, mas que não evitariam a inscrição dos débitos na dívida ativa do município. “É um cerceamento de defesa e um indício de que é o próprio escritório quem tem constituído os débitos e encaminhado as cobranças, prática privativa da administração pública”, afirma. O advogado conseguiu, no Tribunal de Justiça do Estado (TJPE), uma decisão judicial que suspendeu a execução do débito sob a justificativa de irregularidades na cobrança. Procurada pela reportagem, a secretaria de administração e a procuradoria do Município de Caruaru não retornaram as ligações.
O advogado Marcelo Cavassani, do escritório Tesheiner Cavassani e Giacomazi Advogados e Consultores Legais, tenta a mesma medida judicial em favor de dois de seus clientes – bancos que foram alvo de autos de infração emitidos pela Prefeitura de Olinda e que somam R$ 1 milhão. Para ele, embora a incidência do ISS sobre as operações de leasing ainda esteja em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), as prefeituras têm ultrapassado os limites da atividade ao tributar também financiamentos e crédito direto ao consumidor. “Estas modalidades de crédito já são tributadas pelo IOF e não são passíveis do imposto municipal”, diz.
A velocidade com que os débitos são inscritos na dívida ativa dos municípios é o que mais atemoriza os bancos. “Há notificações de débito que dão um prazo de cinco dias para o pagamento”, afirma o advogado Rafael Bornhausen, do Bornhausen e Zimmer Advogados. Segundo ele, a estratégia dos municípios está em acelerar as execuções fiscais para que os valores tenham que ser depositados em juízo e possam, assim, ser levantados pelas prefeituras, como permite a Lei nº 10.819. “A saída é entrar com ações anulatórias com pedido de tutela antecipada na Justiça antes mesmo do ajuizamento da execução pelas prefeituras”, explica o advogado Flávio Mifano, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. Segundo Mifano, outra forma de inflar as cobranças que vem sendo utilizada pelas prefeituras é aplicar o ISS supostamente devido sobre o valor total dos bens arrendados – e não apenas sobre a receita financeira que as operações de leasing geram.
Embora as cobranças sejam emitidas por prefeituras de quase todos os Estados nordestinos, Pernambuco concentra o maior número de casos, de acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel), Osmar Pinho. Segundo o advogado Marcelo Cavassani, dos 500 processos contra prefeituras de todo o país em que o Tesheiner Cavassani e Giacomazi Advogados atua, 200 são originários de municípios pernambucanos – a maioria de Caruaru e Olinda. A tendência também é verificada pelo Bornhausen e Zimmer Advogados, que defende bancos em 752 processos de execução por cobranças de ISS sobre operações leasing no Brasil todo: embora as cobranças tenham começado no Nordeste no fim do ano passado, o Estado já responde por 112 processos, cujos autos de infração somam R$ 80 milhões. Nas contas do escritório, Pernambuco só perde em número de ações para Santa Catarina, com 515 processos, onde a disputa já existe há três anos.
A justificativa para o Estado liderar a disputa no Nordeste está no fato de Recife ser o local da sede do escritório Montenegro & Ferreira Advogados Associados, especializado no tema e responsável pela assessoria jurídica de pelo menos 148 prefeituras nordestinas na arrecadação do ISS sobre operações de leasing. Segundo os advogados dos bancos, a sede do escritório é apontada em todas as cobranças dos municípios como o local onde os contribuintes devem protocolar suas defesas administrativas. De acordo com Gustavo Montenegro, sócio da banca, a assessoria prestada aos municípios é apenas jurídica. “O levantamento e a cobrança dos débitos são feitos pelas prefeituras”, afirma o advogado. Para ele, as bases de cálculo usadas na cobrança do ISS sobre as operações de leasing são legais, mesmo nos casos de crédito direto ao consumidor e financiamento. “Os serviços usados pelos bancos como acessórios ao leasing também devem ser tributados”, diz. Ainda segundo Montenegro, os valores base para a tributação são obtidos no Sistema Nacional de Gravames (SNG), onde as instituições financeiras registram os veículos arrendados. “É uma declaração indireta dos valores pelo contribuinte, as prefeituras apenas os homologam”, diz.
A questão ficará mesmo para o Supremo decidir. E para o advogado Luiz Girotto, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados Associados, há esperanças para os contribuintes. De acordo com ele, embora os casos enviados à corte pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não tenham sido julgados, mesmo que monocraticamente, a Procuradoria Geral da República (PGR) já emitiu três pareceres contrários à incidência do imposto. Além disso, segundo ele, os agravos impetrados na corte – nos casos em que a subida dos recursos à instância superior é negada nos TJs – estão sendo convertidos em recursos especiais pelos ministros do Supremo. “Isto demonstra que a matéria está chamando a atenção do tribunal”, afirma.