Fonte: Valor Econômico
Entrevista com Dr. José Carlos Mota Vergueiro, Sócio V&G.
Por Marta Watanabe e Marli Olmos
Decreto do presidente Lula amplia um dos incentivos concedidos às montadoras e fabricantes de autopeças do regime automotivo do Norte, Nordeste e Centro Oeste. Publicado na terça-feira, o decreto n 6.556 permite que os saldos acumulados do crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sejam usados pelas indústrias do regime para compensar outros tributos recolhidos pela Receita Federal, como o Imposto de Renda e a CSLL.
Antes do decreto, os créditos só podiam ser usados para abater o próprio IPI. Além das fabricantes de autopeças, poderão beneficiar-se as montadoras Mitsubishi e Ford, que mantêm plantas em Goiás e na Bahia, respectivamente. O dispositivo permite a ampliação do uso dos créditos de IPI não só para os saldos credores futuros como também para os já acumulados até a edição do decreto.
Segundo Helder Silva Chaves, coordenador de tributos sobre produção e comércio exterior da Receita Federal, o pleito das indústrias do regime por uma ampliação da forma de aproveitamento do crédito de IPI teve origem em 2006. Ele explica que uma mudança naquele ano no cálculo do crédito presumido do imposto ajudou a gerar saldos credores a favor das empresas.
A fórmula de cálculo do crédito presumido de IPI para as empresas do chamado regime automotivo regional tem como base o valor recolhido por conta do Programa de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins). Inicialmente, em 1999, o crédito de IPI era calculado pelo dobro do valor recolhido de PIS/Cofins. Como essas duas contribuições eram pagas a 3,65% do faturamento, o crédito correspondia a 7,3% do faturamento.
Alguns mudanças no cálculo do PIS e da Cofins das montadoras, porém, acabaram provocando também alterações na forma de cálculo do crédito de IPI.
A mais importante mudança aconteceu quando o PIS e a Cofins passaram do cálculo cumulativo para o não-cumulativo. Quando essa migração para a cobrança não-cumulativa se consolidou, em 2004, as montadoras passaram a pagar PIS/Cofins de 11,6%, uma alíquota total bem maior que os 3,65% cobrados em 1999. No novo cálculo com alíquota maior, porém, as indústrias do setor passaram a poder abater do valor devido os créditos de PIS e Cofins pagos em insumos.
A alteração no PIS/Cofins resultou numa mudança de cálculo do crédito presumido de IPI para as empresas do regime automotivo regional. Um decreto de 2006 permitiu que as indústrias do regime passassem a calcular o crédito de IPI pelo dobro do valor devido de PIS/Cofins não-cumulativos. Para se calcular o valor devido, deveriam aplicar os 11,6% de PIS/Cofins e tomar os créditos permitidos das duas contribuições na aquisição de insumos.
Essa medida, explica Chaves, da Receita Federal, retroagiu a 2004, o que propiciou acúmulo de saldo credor por parte de montadoras integrantes do regime. Ele explica que, ao mesmo tempo em que o cálculo do crédito de IPI está sendo feito em patamares altos, há uma política paralela de redução de IPI, como o oferecido para os automóveis com combustível flex e a desoneração para aquisição de bens de capital, por exemplo. “Isso contribui para o acúmulo de saldos credores, um problema comum nos tributos calculados de forma não-cumulativa”, diz Chaves.
“Como o crédito era usado apenas para o IPI, houve um acúmulo de saldos credores do imposto que não puderam ser aproveitados”, diz Douglas Rogério Campanini, da ASPR Auditoria e Consultoria. Ele lembra que o crédito é calculado pelo dobro do valor devido de PIS e Cofins, hoje calculado a 11,6% enquanto as alíquotas de IPI sobre automóveis são de 7%, 13% e 25%. A alíquota maior, de 25%, porém, representa parcela bem pequena das vendas de veículos do país.
As alíquotas de 7% e 13% do IPI incidem sobre a esmagadora maioria dos carros de passeio vendidos hoje no país. De 1,94 milhão de veículos vendidos de janeiro a agosto, 98,6% estão enquadrados em uma dessas duas alíquotas. Os carros com motores até 1.0, que recolhem IPI de 7%, representam mais da metade do mercado. Mas a faixa imediatamente acima, com motorização entre 1.0 e 2.0, tem aumentado a participação nas vendas em relação aos populares em razão da facilidade no crédito.
Para o tributarista José Carlos Mota Vergueiro, do Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados Associados, há um quadro propício para o represamento de saldos credores do crédito presumido de IPI. Ele lembra que o aumento de alíquotas do PIS e Cofins na cobrança não-cumulativa deu origem a uma elevação de carga tributária geral. No caso das empresas que estão no regime automotivo regional, isso resultou em aumento dos créditos de IPI. “Esse decreto permitirá que as empresas dêem vazão ao estoque de saldos credores.”
De acordo com o decreto, os saldos de créditos presumidos de IPI de um determinado período poderão ser usados para compensar o imposto num período seguinte. Ao fim de cada trimestre, caso o saldo credor persista, o crédito poderá ser usado para compensar outros tributos administrados pela Receita.