Fonte: Valor Econômico
Por Guilherme Meirelles | Para o Valor, de São Paulo
Nunca foi tão positivo o mercado para os profissionais dispostos a atender as demandas dos milionários brasileiros. De acordo com estudo produzido pela Merrill Lynch Global Wealth Management e pela consultoria Capgemini, o Brasil fechou o ano de 2010 com 155,4 mil pessoas com recursos líquidos para investir superiores a US$ 1 milhão. Uma comunidade endinheirada, que cresceu 6% em relação ao ano anterior e não dá sinais de retração. Para atender este público seleto, exigente e sofisticado, instituições financeiras, consultorias e escritórios de advocacia ampliaram os seus quadros e fornecem todo o suporte necessário para orientar, administrar e gerir a fortuna não apenas dessa, mas das futuras gerações de milionários.
Uma conjunção de fatores explica a ascensão dessa nova classe, que coloca o Brasil na 11ª posição do ranking dos milionários. Parte expressiva desse público surgiu em função da onda de operações de fusões e aquisições dos últimos anos. De acordo com estudo da Pricewaterhouse Coopers, apenas em 2010 foram registradas 797 fusões e aquisições, muitas delas envolvendo empresas familiares, gerando maior liquidez para a economia. E o ritmo continua em alta. No primeiro semestre, foram mais 359 negócios, o que permite antever a entrada de mais recursos financeiros a serem administrados no mercado. Some-se a isso o desempenho favorável da Bovespa entre 2007 e 2010, período em que teve valorização de 55,64%, além de uma onda de IPOs, atualmente em baixa.
Presente em 140 países e conhecida pela sua atuação no campo de auditoria, a KPMG abriu os olhos para este novo nicho e expandiu no Brasil seus departamentos de consultoria e planejamento tributário voltados para a monetização de ativos não monetários. “São casos de empresas familiares que foram vendidas ou de pessoas que se desfazem de imóveis e ficam milionárias do dia para a noite”, explica Ricardo Anhesini, da área de financial services. Nesses momentos, a KPMG age como uma empresa de “family office”, apontando os melhores caminhos fiscais e as opções mais rentáveis no mercado financeiro. “Há no Brasil um mercado de capitais maduro e é possível diversificar os investimentos de forma segura e transparente.”
Anhesini nota diferenças entre o milionário brasileiro e o de outros países emergentes, como Índia e China. Ele cita a capacidade empreendedora, que o leva a buscar oportunidades na economia real e a não se satisfazer em apenas manter o dinheiro aplicado.
O crescimento no mercado de gestão de fortunas fez com que a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) lançasse, no fim do ano passado, uma regulamentação específica para os gestores de patrimônio. “Há dez anos havia cerca de dez gestoras de patrimônio e hoje são mais de 50”, diz José Hugo Laloni, diretor da Anbima sobre gestão de patrimônio. O objetivo do Código Anbima de Regulação e Melhores Práticas para a Atividade de Gestão de Patrimônio Financeiro é normatizar regras que até então não existiam no Brasil, em moldes semelhantes às já praticadas pelos private banks. Embora não haja números precisos, Laloni estima que as gestoras sejam responsáveis por cerca de R$ 50 bilhões.
Os números oficiais existentes sobre as fortunas brasileiras são da própria Anbima, referentes à atuação do setor de private bank, que atendem clientes com mais R$ 1 milhão em recursos líquidos. Em junho, segundo relatório da entidade, o volume sob administração das 21 instituições financeiras autorizadas era de R$ 412,8 bilhões, o que representou um crescimento de 11,2% no ano e de 28% em 12 meses. A preocupação da entidade é propiciar cada vez mais profissionalização dos “bankers” (responsáveis pelo atendimento direto aos clientes) por meio da certificação CFP (Certified Financial Planner), conferida pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros.
A Anbima enfatiza ainda junto aos seus associados a aplicação do conceito de “suitability” aos clientes, com o objetivo de conhecer seu perfil no que se refere a metas de investimento, tolerância ao risco e conhecimento técnico sobre o portfólio de produtos oferecido pela instituição. “Para quem tem grandes fortunas, valem sempre as regras de prudência, não colocar todos os ovos na mesma cesta e refletir sobre os riscos e consequências de cada ativo que é investido”, aconselha Celso Portásio, diretor da Anbima.
Apesar de reconhecer os esforços em busca de profissionalização, o professor do Insper, Alexandre Chaia, percebe que ainda há desconfiança por parte das famílias na hora de escolher o gestor. Ele credita este sentimento, presente sobretudo em pessoas acima dos 45 anos, ao trauma dos planos econômicos nos anos 1980 e 1990. “A busca é mais por confiança e não tanto por eficiência profissional.”
O que advogados recomendam é que se definam a priori quais os objetivos no momento de fazer um planejamento sucessório e patrimonial. “O que é indicado para um ativo imobiliário pode ser péssimo para quem optar por operações financeiras”, afirma a advogada Andrea Nogueira, do escritório Velloza&Girotto. Um dos equívocos mais comuns, diz, é achar que a formação de uma holding é a melhor saída para o patrimônio de uma família. “É eficiente para transmissão de imóveis e participação societária. Mas desaconselhada para aplicações financeiras, em razão do imposto de 34% sobre os rendimentos.”
Surgidas nos EUA no século 19, com as famílias Rockfeller, Carnegie e Pew, os chamados family offices – escritórios especializados em administrar fortunas de famílias – estão aproveitando o bom momento da economia. Como, em geral, atendem poucos clientes, todos na faixa de recursos líquidos entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões, buscam soluções personalizadas e pensando sempre a longo prazo. A vantagem apregoada em relação aos private banks é a independência na hora da escolha. “Nossa missão é buscar as melhores oportunidades em todas as áreas”, diz Vinicius Gholmie, sócio da Holander Advisors Management, que administra recursos de cinco famílias. Estima-se que existam cerca de 40 escritórios, incluindo os single family offices, que administram recursos de uma única família, e os multi family offices.