Fonte: Capital Aberto
20 de agosto de 2017
Artigo escrito por Leandro Vilarinho Borges, Sócio Velloza Advogados Associados.
Em vigor desde o último dia 8 de junho, a MP 784/17 dispõe sobre temas de grande importância para o mercado financeiro nacional. Seu cerne está no processo administrativo sancionador nas esferas de atuação do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Dentre as disposições constantes da MP, destaca-se a consolidação — em um único artigo e com força de lei — de extenso rol de condutas passíveis de punição pelo Banco Central. Essa lista abarca elementos de teor subjetivo e de preocupante amplitude, o que dificulta a adequada subsunção dos fatos à norma. Com isso, pode ser prejudicada a necessária caracterização da infração de forma clara e objetiva, o que provoca insegurança jurídica para os agentes do mercado.
Na extensa enumeração de condutas, chama a atenção a disposição que torna punível a realização de operações, pelas instituições financeiras, em padrões incompatíveis com o “valor de mercado” — e desde que essas operações tenham gerado prejuízo à própria instituição ou a terceiros (art. 3º, VIII).
Conforme se verifica da leitura do dispositivo legal, a norma estabelece de forma expressa a possibilidade de o Banco Central questionar o valor de determinada operação, sob o argumento de que seria incompatível com a prática do mercado, somado necessariamente à demonstração de prejuízo à instituição ou a terceiros.
É relevante notar que a aplicação desse dispositivo deve ficar limitada tão somente às situações em que haja inegável prática de gestão temerária e que coloque em risco o sistema financeiro. De outra forma, estar-se-ia legitimando a possibilidade de o Banco Central imiscuir-se nas decisões de negócio dos administradores das instituições financeiras (ou na terminologia americana, violar-se-ia a “business judgment rule”).
Para bem ilustrar a problemática, podemos citar as operações que envolvem ativos de pouca liquidez. Por exemplo, a cessão de uma carteira de créditos inadimplidos de uma instituição financeira para um fundo de investimentos em direitos creditórios (FIDC). Os parâmetros de mercado, nesse caso, podem variar bastante, em função da composição da carteira cedida, da negociação feita, do cenário econômico, do contexto em que se insere o banco ou o fundo, entre outros fatores. Por causa de tantas circunstâncias específicas em cada operação, o elevado grau de subjetividade da norma pode dificultar a assertiva de que a operação “destoa” da prática do mercado, o que gera insegurança não apenas pela redação, mas também pelos critérios a serem adotados nessa análise. O conceito “valor de mercado” não é estanque e deverá sempre levar em conta as particularidades de cada operação.
Assim, a atuação do Banco Central terá de ser pautada pela cautela e voltada à coibição de atos extremos de delapidação do patrimônio das entidades supervisionadas ou de terceiros. Do contrário, fica aberto um flanco para ingerência do Banco Central nas decisões negociais das instituições e para a sujeição dos administradores a penalidades — decorrentes, como ilustração, de más decisões ou de maior assunção de riscos inerentes à atividade empresarial.
A preocupação com a definição dessas infrações não é em vão, já que as penalidades estabelecidas pela MP 784 são bastante severas: admoestação pública (publicação de censura ao ato praticado), multa, proibição para determinadas práticas, inabilitação e/ou cassação de autorização de funcionamento. Essas penas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente. A despeito dos parâmetros já constantes da MP 784, o Banco Central ainda vai disciplinar a gradação das penalidades.
Dentre as 97 emendas já apresentadas na tramitação da MP 784 no Congresso, destacam-se algumas iniciativas, ainda tímidas, que dão contornos mais objetivos a determinadas infrações. A delimitação mais assertiva do rol de condutas e uma regulamentação cuidadosa da forma de gradação das penalidades são essenciais para se garantir segurança aos agentes do mercado e para se evitar um aumento, ainda maior, dos custos de observância com que as instituições financeiras já arcam.