Fonte: Valor Econômico
13 de setembro de 2016
Entrevista com Guilherme Cooke e Elisa Henriques, Sócio e Associada V&G.
Por Adriana Cotias e Toni Sciarretta
Quando o aplicador escolhe seus fundos de investimentos, além de composição das carteiras, risco, taxa de administração e regras de liquidez ou carência, uma questão adicional deveria constar no rol de perguntas ao intermediário que lhe fez a oferta: esse distribuidor tem capacidade de fazer a compensação tributária entre perdas e ganhos de um portfólio com outro? Num momento em que proliferam no mercado plataformas abertas, que oferecem fundos de múltiplos gestores, essa é uma questão pertinente que, no fim das contas, vai interferir na rentabilidade global do investidor.
Entre os grandes administradores – a figura responsável pelo funcionamento do fundo, controlando os diversos prestadores: gestor, custodiante e auditor – é praxe fazer tal compensação, principalmente no varejo de alta renda. Mas um novo personagem surgiu no mercado nos últimos anos: as corretoras ou distribuidoras que atuam por “conta e ordem” do cliente. São elas que captam os recursos do investidor destinados a determinados gestores e conhecem quem está na ponta final. Passam a ser, por tabela, as responsáveis fiduciárias e tributárias desses aplicadores, recolhendo o imposto de renda quando há ganho de capital na hora do resgate.
Só que havia uma questão ainda controversa, se essas instituições ao distribuírem fundos de inúmeros gestores e ter a visão global do aplicador poderiam compensar a perda de uma carteira com o ganho de outra mesmo quando os fundos tivessem sob a tutela de diferentes administradores. Para dirimir esse ponto, há um ano e meio, a XP Investimentos questionou formalmente a Receita Federal, que respondeu positivamente na Solução de Consulta n° 38, publicada em maio no Diário Oficial da União.
“Dúvida retirada, deu liberdade para que as plataformas integradas, que operam por conta e ordem, façam a compensação independentemente de quem administra o fundo. Isso traz uma vantagem tributária para o cliente”, diz Gustavo Pires, sócio da XP e responsável pela plataforma de fundos da casa. A boa notícia, diz, é que os sistemas conseguem retroagir a prejuízos acumulados desde 2010, quando a instituição começou a operar na plataforma.
A prática mais comum é fazer a compensação entre fundos de ações, que estão debaixo da mesma alíquota de IR, de 15%, e reúnem um patrimônio de R$ 160,2 bilhões, já que essas carteiras estão mais sujeitas a prejuízos. “Já vínhamos fazendo para os fundos de renda variável e agora há um projeto pesado de desenvolvimento [tecnológico] para ampliar o escopo para fundos de longo prazo”, diz Pires, referindo-se à inclusão dos multimercados.
Aos olhos do Fisco, os fundos têm três classificações tributárias: curto prazo, com imposto de renda travado em 20%; longo prazo, grupo no qual incide a tabela regressiva de IR, que começa em 22,5% e cai a 15% após dois anos de aplicação; e os fundos de renda variável, com alíquota linear de 15%.
A auditora fiscal da Receita Federal Maria da Consolação Silva, uma das técnicas que assinam a Solução de Consulta n° 38, esclarece, porém, não ser possível fazer a compensação em portfólios de natureza distinta, como fundos de ações e multimercados, mesmo que estejam sob a mesma alíquota de tributação. Em resposta à reportagem por e-mail, ela também informou que o órgão tributário não prevê compensação entre diferentes produtos de investimentos, corno renda fixa, ações e fundos.
A Orama, com meia centena de fundos na sua plataforma, já vinha fazendo a compensação para fundos de ações de diferentes administradores e quer, até o fim do ano, incorporar essa prática às carteiras de longo prazo, diz a consultora financeira da plataforma, Sandra Blanco. “Em multimercados, está em fase final de homologação. Estamos testando um pouco mais porque é um produto mais complexo por ter a antecipação do IR a cada semestre’, diz, referindo-se ao come-cotas que, em maio e setembro, subtrai as cotas relativas ao imposto do aplicador.
A Guide, por sua vez, com 75 fundos distribuídos, está em fase de finalização de sistemas para começar a fazer a compensação tributária de diferentes administradores até o fim do ano, diz o gestor Leonardo Uram. “É uma grande vantagem para o investidor, isso já está na nossa pauta”, afirma.
A compensação é relevante porque os fundos são sujeitos à tributação exclusivamente na fonte. Não há como fazer isso na declaração anual de imposto de renda, diz o sócio do escritório BMA Paulo Bento, que assessorou a XP. Ele explica que a compensação tem de ser sempre em fundos com a mesma classificação tributária – curto prazo com curto prazo e longo prazo, com longo prazo – e entende não ser possível estender essa prática misturando um multimercado com um fundo de ações.
O administrador ou intermediário que não faz a compensação tributária perde competitividade e está um passo atrás, afirma Carlos Augusto Salamonde, diretor de serviços de gestão do BNY Mellon para o Brasil. Para ele, a possibilidade de transferir tal função para o distribuidor – no caso, para as plataformas de investimentos – foi um grande avanço para o mercado porque, no caso das instituições que atuam por conta e ordem, o cotista só aparecia para a Mellon como um número. “Se um prejuízo não é compensado, o investidor está pagando imposto de renda à toa. Paga quando ganhou e não tem o beneficio do fundo em que perdeu”, afirma.
Procuradas, outras grandes administradoras do mercado – Intrag (do Itaú), BTG Pactual e BEM DTVM (do Bradesco) – não concederam entrevista.
O sócio do Velloza & Girotto Advogados Associados Guilherme Cooke sugere que o investidor, mesmo debaixo de instituições tradicionais e com sistemas operacionais robustos, não presuma que a compensação ocorrerá de forma automática. Isso porque, conforme esclarece a especialista tributária do escritório, Elisa Henriques, a norma da Receita Federal fala da possibilidade de compensação e não de uma obrigação.
Ela assinala que a prerrogativa da compensação tributária para distribuidores e não só administradores valia desde a instrução normativa n° 1022 de 2010. A própria Receita cita a norma na Solução de Consulta endereçada à XP.
“Há uma dificuldade operacional grande”, diz Elisa “Para fazer a compensação eletrônica, é preciso identificar e alocar para cada um dos cotistas a perda existente.” Cooke completa dizendo que, se não há segurança no processo operacional, esse é um risco jurídico que o distribuidor prefere não correr “para dar um beneficio que nem todo mundo pede”.