Fonte: Estadão
Artigo escrito por Carlos Mauricio Mirandola, Advogado Associado V&G.
Artigo publicado originalmente no Estadão Noite
A realidade bateu à porta da matemática. A expressão ‘dilema do prisioneiro’ nasceu há 70 anos nas hostes dos matemáticos de teoria dos jogos para exemplificar um tipo de modelo de colaboração interpessoal (ou melhor, falta de colaboração) bem específico. Na forma canônica do modelo, dois membros A e B de uma gangue suspeita de ter cometido um crime são presos e colocados em duas salas diferentes. A promotoria não tem provas suficientes para condenar ambos a um crime mais sério. Se ninguém confessar crime algum, ambos são sentenciados a penas baixas (payoff de 2 anos de prisão para cada um, 4 anos para ambos somados). Promotores fazem a cada um dos presos, simultânea e individualmente, uma proposta: se A (B) confessar um crime maior e entregar B (A) e B (A) não confessar, A (B) sai livre (0 anos) e B(A) recebe uma pena alta (12 anos); se ambos confessarem, recebem juntos uma pena média (4 anos para cada, 8 anos somados). A decisão tem que ser tomada na hora, sem saber o que o outro vai fazer.
Porque a possibilidade de se ver livre do crime vale o risco de confessar o crime maior, e principalmente porque não se pode ter certeza que o outro resistirá à tentação de confessar, A e B acabam optando por ser sinceros. A estratégia dominante do jogo é ambos confessarem. Ou seja, ambos trocam 4 anos de prisão no agregado, 2 para cada, por 8 anos de prisão, 4 para cada, para não correr o risco de ficar 12 anos no xilindró sozinho enquanto o outro está livre. E, matematicamente, é possível sofisticar ainda mais esse setup e adicionar outras dimensões: aumentar o número de suspeitos; beneficiar de forma diferente aqueles que confessarem antes; oferecer o acordo a um suspeito antes do outro; aumentar a paciência dos investigadores; reduzir a utilidade da confissão à medida que o tempo passa. Nos modelos, a confissão torna-se estratégia mais dominante ainda, e a decisão de celebrar o acordo é mais rápida quanto mais assimétrico for o beneficio para aquele que confessa antes, quanto mais pacientes forem os investigadores, e quanto mais se reduzir a utilidade da confissão. Isso quer dizer que, num grupo grande, se aquele que confessar primeiro ganhar mais, se as autoridades forem rápidas em desvendar e processar o caso, e se a justiça for bastante célere, o dilema do prisioneiro (e sua hesitação em confessar) acaba mais rápido.
Leo Pinheiro não terá sido o primeiro pagador de propina a confessar. Tampouco será o último. Isso tem causas e consequências. Contribuiu para que mais esse dominó caísse a rapidez da progressão da Lava Jato: as investigações têm tido um ritmo vertiginoso, as buscas-e-apreensões e quebras de sigilo foram efetivas (achou-se muita prova), e a análise dos documentos foi acertada; os promotores propuseram rapidamente as ações penais e não deixaram o caso esfriar; a Justiça Federal no Paraná está julgando rapidamente os processos, e as condenações estão acontecendo; os recursos dos suspeitos nas investigações aos tribunais superiores não forem aceitos, e o processo fluiu. Para Leo Pinheiro, deve ter contribuído também a mudança na jurisprudência do Supremo sobre aplicação de pena a réu condenado em segunda instância, porque fez a pena possível ficar ‘maior’, já que mais certa (a probabilidade de prisão aumentou, o que reduz a taxa de desconto em vista da prescrição). Pode-se ver, outrossim, contribuição no fato de que os investigadores continuam pacientes, ou seja, a pressão para que eles encerrem a investigação pode existir, mas não de forma ameaçadora.
Um detalhe notável parece ser que, mesmo depois de tantas confissões, a de Leo Pinheiro pareceu interessar os procuradores. Isso pode querer dizer três coisas, não necessariamente excludentes entre si. A primeira, obviamente, é que o que Pinheiro tem a oferecer à Lava Jato tem bastante peso para o Ministério Público. Se a asserção estiver correta, esperem mais solidez (e provas) nas próximas acusações. A segunda é que o fim do túnel ainda está longe, e há bastante o que apurar. Esperem revelações importantes em casos que podem não estar solidificados, inclusive desmembramentos, novos fatos e possíveis suspeitos. A terceira é que a polícia e os procuradores podem tirar vantagens institucionais da colaboração de Pinheiro, em termos da legitimidade junto à opinião pública e outras instituições. Podem se blindar de pressões.
Sobre consequências. A primeira deve ser a redução do interesse na eventual delação de outros personagens-chave, como por exemplo os executivos da Odebrecht. A segunda é corolário da primeira: a ‘barra’ para os próximos colaboradores sobe, e as próximas delações deverão oferecer novidades reais, na forma provavelmente de novas linhas de investigação ou outros casos. As linhas atuais devem ter ficado suficientemente solidificadas e, portanto, o espaço nelas para colaboração com os promotores reduziu-se. A terceira pode ser a redução da pressão sobre investigadores e promotores (portanto aumento do ‘fator paciência’): uma empresa/personagem-chave a menos para ‘jogar contra’ implica menos turbulência potencial no processo, menos recursos à Justiça e menor investimento em ‘ganhar no tapetão’.
*Carlos Mauricio Mirandola é coordenador da área de mercado de capitais e compliance financeiro do Velloza e Girotto Advogados, é bacharel, mestre e doutor em direito pela USP, e LL.M e JSD candidate pela Columbia University.