Fonte: Valor Econômico
16 de dezembro de 2015
Artigo escrito por Diego Nabarro e Thomas Becker Pfeferman, Advogados Associados V&G.
O mais proeminente mercado de internet, o e-commerce, tem sido palco de uma disputa ferrenha por expansão e participação de mercado, com B2W, Cnova, Magazine Luiza, Wal-Mart e Máquina de Vendas disputando o varejo de eletrônicos pedido a pedido.
Para o e-commerce de eletrônicos, os efeitos da concorrência acirrada são claros: raramente um produto custa menos no varejo físico do que no varejo eletrônico.
Todavia, o alto grau de concorrência na internet está longe de ser regra. Boa parte dos mercados de aplicações de internet já é ou tende a ser dominado por um único agente. É a materialização da máxima de que produtos, serviços e modelos de negócio inovadores criam seus próprios monopólios. Não é à toa que um dos maiores investidores do Vale do Silício, Peter Thiel, diz que o monopólio é condição de existência de qualquer bom negócio. Microsoft com o Windows, Google, Youtube, Facebook e o Netflix, que pouco ou nada conheceram de concorrência, são provas disso.
Quão adequado é o paradigma para atos de concentração, baseado apenas no faturamento de adquirente e adquirido?
Essa convergência endêmica da internet rumo à dominância de um único agente traz à tona uma consideração importante: Num ambiente em que sinergias em rede favorecem o crescimento exponencial de um agente dentro do mercado relevante (e do próprio mercado relevante), a ordem natural das concentrações de mercado se inverte. Primeiro se escala em market share para com base nisso incrementar o faturamento.
O enorme investimento na busca pelos unicórnios das aplicações de internet (startups com valuation acima de US$ 1bi) talvez explique essa inversão entre ganho de market share e aumento do faturamento. Os fundos de private equity e venture capital (VC/PE) despejam enormes quantidades de recursos nas suas startups para que elas desenvolvam tecnologias, adquiram usuários e expandam mercados – mesmo que faturando pouco. Ao longo desse caminho, permeado por prejuízos milionários ano após ano, muitas fusões e aquisições horizontais frequentemente ocorrem.
Por trás de tal estratégia, está a expectativa de que criada a posição de domínio no mercado relevante, a empresa crescerá em faturamento e entregará rentabilidade. Apenas a partir de tal momento que o consumidor final passa a pagar a conta.
Graças ao enorme investimento dos fundos de VC/PE em startups, mesmo antes de qualquer faturamento relevante, pode já se estar diante de uma empresa detentora de enorme market share, em um mercado relevante em franco crescimento. Ante a isso, quão adequado é o atual paradigma de análise para atos de concentração, baseado unicamente no faturamento de adquirente e adquirido?
Com a introdução da Lei no 12.529/2011, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) passou a não mais demandar a notificação de atos de concentração (AC) em razão apenas da concentração superior a 20%. Era o que ocorria sob a vigência da lei antitruste anterior.
Entretanto, o amadurecimento dos mercados de aplicações de internet no país e a rápida escalada de certos modelos de negócio pode acabar por permitir que diversos ACs relevantes em concentração, tenham passado abaixo do radar antitruste enquanto ainda eram pouco relevantes em faturamento.
O descompasso entre norma e mercado é considerável, pois os limites mínimos de R$ 750 milhões (adquirente) e R$ 75 milhões (adquirido) hoje dificilmente são atingidos em qualquer mercado de internet brasileiro, excetuado o e-commerce. Isso mesmo se considerado o conceito de grupo econômico aplicado aos fundos de investimento definido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que alargaria o escopo do dever de notificar ACs envolvendo investidas dos fundos.
Muito se discute quanto a própria necessidade e eficácia do controle de AC, especialmente se observarmos que em 2014 o Cade aprovou sem restrições mais de 95,2% dos ACs notificados. Entretanto, independente da posição que se tenha quanto ao controle de AC, a preferência revelada da política pública brasileira é inequívoca. No Brasil, se faz controle prévio de AC. Dada tal escolha, porque deixar verdadeiras concentrações fora do escopo de análise?
Muitos dos que argumentam contrariamente ao controle de AC dizem que o bem jurídico protegido pelo SBDC é plenamente tutelado com o controle somente das condutas anticoncorrenciais. A facilidade para tomar preços e mapear concorrentes fazem da internet e o meio eletrônico um ambiente propício para corroborar tal assertiva. Isto é, condutas anticompetitivas são mais facilmente flagráveis na internet, o que de certa forma mitiga a importância relativa do controle de AC para o SBDC.
Ainda não há resposta definitiva para a dúvida quanto à eficácia do controle de AC para mercados de internet. Entretanto, na medida em que o capital comprometido com fundos de VC/PE continuar a crescer, ficará tanto mais claro se a preservação da concorrência nos mercados de aplicações de internet passa por padrões mais estritos no controle de AC, por uma prática investigativa atenta às condutas anticoncorrenciais na internet, ou por ambos. A ver.
Diego Nabarro e Thomas Becker Pfeferman são advogados e coordenam a área de tecnologia e venture capital do Velloza & Girotto Advogados
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