Sancionada Lei Federal N. 14.112/2020 que altera a Lei de Recuperação Judicial e Falência
Na noite do último dia 24 de dezembro foi sancionado pelo Presidente da República o PL n. 4458/20, agora convertido na Lei n. 14.112/2020, alterando substancialmente diversos artigos da Lei de Recuperação Judicial e Falência. A primeira impressão é que tais avanços foram fruto de uma constante evolução e consolidação doutrinária e jurisprudencial ao longo de 15 anos de debate sobre o tema. As inovações, em linhas gerais, trouxeram avanços extremamente positivos baseado no binômio “segurança jurídica” e “reequilíbrio de forças credores e devedores”, aos quais destacamos alguns que entendemos relevantes para os credores, sem ter, por óbvio, a pretensão de esgotar este importante objeto de estudo.
A primeira delas é a alteração que autoriza no caso de rejeição o plano de recuperação apresentado pelo devedor, que os credores possam apresentar um plano alternativo de recuperação judicial. Pelo texto legislativo anterior, somente o devedor podia apresentar uma proposta de pagamento. A modificação legislativa é louvável pois evita que credores que não queiram a falência de imediato, não fiquem reféns de planos perversos que apresentem grandes deságios e prazos extremamente alongados para pagamentos das dívidas. Para que seja viável a apresentação de um plano pelos credores, o novo texto legislativo incluiu algumas condições cumulativas, visando, principalmente, evitar abuso por parte dos credores em criarem condições superiores ao que a empresa recuperanda teria condições de suportar.
Na mesma temática o texto inova também ao permitir que o plano apresentado pelos credores preveja a alteração do controle da sociedade devedora. Referida alteração legislativa é digna de aplausos, pois muitas das vezes ficava claro que o administrador que geriu de modo temerário a companhia para levá-la ao estado de quase insolvência, também já não mais tem credibilidade no mercado e capacidade técnica de soerguê-la. Trata-se, portando, de técnica jurídica que traz uma solução intermediária de reequilíbrio de forças entre duas situações extremadas, quais sejam: planos de recuperação inexequíveis e a imediata decretação de falência da empresa.
A segunda modificação relevante é àquela que trata da suspensão das ações judiciais contra a empresa em recuperação judicial, ou seja, o chamado stay period. Pelo texto antigo, embora previsto a sua improrrogabilidade, consolidou-se na jurisprudência a possibilidade de sucessivas prorrogações sem que houvesse um limite para tanto. A nova redação define objetivamente que será permitido apenas e tão somente 2 prorrogações, uma a critério do juiz e outra a critério dos credores, retirando, portanto, o poder quase que absoluto da empresa em recuperação para ficar pleiteando nos autos inúmeras prorrogações do stay period. Vale destacar que o decurso deste prazo permitirá que credores apresentem seu próprio plano de recuperação judicial. O critério adotado é objetivo e traz segurança e previsibilidade aos credores e, ao mesmo tempo, impede atos de má-fé de empresas que não tinham interesse em solucionar rapidamente o processo.
Um terceiro ponto que também merece destaque foi a inclusão do artigo 6-A da Lei 11.101/2005 que veda que a empresa em processo de recuperação distribua lucros e dividendos aos seus sócios e acionistas até a aprovação do plano de recuperação judicial. Eventual descumprimento da norma também é considerado crime com pena de reclusão e multa. O novo texto legislativo nada mais faz do que prestigiar os princípios da boa-fé e lealdade processual que deve existir entre as partes, haja vista que não se torna crível que credores sejam expostos a enormes sacrifícios enquanto a empresa em estado de grave crise financeira continue a distribuir lucros e dividendos para seus gestores. Havendo lucros, estes devem ser direcionados para pagamentos dos Credores.
O quarto aspecto é a nova regulamentação sobre o voto abusivo. Antes da reforma a Lei 11.101/05 não previa regras claras sobre o tema, ficando a cargo da subjetividade de cada juiz que, muitas das vezes obrigam credores a aceitarem um plano de recuperação que haviam rejeitado apenas e tão somente pelo “peso proporcional” que o seu voto representava na assembleia geral de credores, ou seja, credores com expressivos créditos acabavam sendo preteridos apenas e tão somente por terem um alto valor de crédito habilitado no processo de recuperação. O novo texto legislativo trouxe critérios objetivos ao estipular que o voto será declarado nulo por abusividade somente quanto manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Um quinto aspecto que entendíamos de fundamental importância acabou sendo vetado pelo Presidente da República. Os artigos vetados foram as novas redações do parágrafo único do artigo 60 e § 3º do artigo 66 que previam no texto original a blindagem ampla e irrestrita daquele que adquire bens da empresa em recuperação judicial. Em suas razões para justificar o veto esclareceu o Presidente da Republica: “a medida contraria a moldura constitucional pátria, notadamente no que tange às obrigações ambientais, nos termos do caput do art. 225 e do inciso II do art. 186, ambos da Constituição da República, haja vista que a responsabilidade pela reparação de eventual dano ambiental causado recairá não apenas sobre aquele que o houver causado, mas também sobre aquele que houver adquirido o bem que sofreu (e sofre( o dano a ser reparado, ante a natureza jurídica de tal reparação, que é objetiva e por causa da coisa (propter rem), nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (v. g. RE 698.284, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, data de julgamento 24/06/2014, Dje 31/07/2014, p. 01/08/2014; AI 729.635, Rel. Min. Marco Aurélio, data de julgamento 21/09/2018, Dje 25/09/2018. PP. 26/09/2018; entre outros).” E prosseguiu: “Ademais, os dispositivos também contrariam as obrigações de natureza anticorrupção, haja vista que a excepcionalidade criada está em descompasso com os direitos fundamentais à probidade e à boa administração pública, além de ir de encontro ao interesse público, uma vez que podem implicar insegurança jurídica, além de prejuízo ao erário e no incremento de ações junto ao Poder Judiciário no combate à corrupção.”
O texto anteriormente aprovado pelo Poder Legislativo, e agora vetado pelo chefe do Poder Executivo, ao nosso sentir dava mais segurança ao adquirente de bens da empresa em recuperação judicial, enfatizando de forma clara e objetiva inexistência de qualquer sucessão em relação às dívidas da companhia seja ela de que natureza for, ou seja, trabalhista, ambiental, tributária, administrativa, regulatória, etc. Infelizmente o veto presidencial traz um enorme retrocesso e insegurança jurídica, tornando este ambiente de negócios pouco atrativo para novos investidores e, portanto, dificultando de sobremaneira a geração de caixa para empresas em dificuldade financeira.
Por fim, destacamos que diversos outros avanços de natureza processual foram incluídos para tornar mais célere e menos custoso o processo de recuperação judicial, tais como estímulo a conciliação e mediação, possibilidade de perícia prévia, deliberações por sistema eletrônico e de teleconferência, restrições a impugnação na venda de ativos, facilitação no encerramento da falência etc.
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