No dia 18 de outubro de 2018, a Receita Federal fez publicar a Solução Interna COSIT nº 13, pela qual pretendeu uniformizar a interpretação do órgão sobre a forma de cumprimento de decisões judiciais que, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 574.706/PR, determinem a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
O ponto mais polêmico da solução de consulta em questão é a definição do valor do ICMS pago, e não aquele destacado no documento fiscal de saída das mercadorias, como passível de exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Embora a uniformização de procedimentos seja em regra salutar, a conclusão da referida orientação interna contrasta com a razão de decidir da Corte Suprema ao excluir o ICMS da base do PIS e da COFINS, devendo ser rechaçada pelo Poder Judiciário.
Um primeiro aspecto a ser considerado é que atualmente, na maioria dos casos, as empresas optam por restituir os tributos pagos indevidamente por meio de compensação com outros tributos administrados pela Receita Federal, conforme autoriza o artigo 74 da Lei nº 9.430/96 e regulamentação infralegal.
Sendo assim, assume especial importância a SC COSIT nº 13, que tem efeitos vinculantes em relação aos agentes fiscais responsáveis pela homologação das compensações realizadas pelos sujeitos passivos, podendo implicar a aplicação de multas.
Como amplamente conhecido, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.”
Da conjugação dos votos integrantes das correntes vencedoras e vencidas no julgamento do aludido recurso, a Receita Federal extraiu a conclusão de que a questão controvertida esteve centrada apenas na consideração do ICMS recolhido pelo sujeito passivo como parte integrante de seu faturamento para fins de cálculo do PIS e da COFINS.
Entretanto, a par dos excertos trazidos pela RFB não levarem à conclusão alcançada, é válido lembrar que a gênese da discussão, iniciada no STF pelo RE nº 240.785/MG, cujo julgamento foi concluído em 2014, remetia predominantemente às lições do jurista Roque Antonio Carrazza, que inclusive fez sustentações orais em defesa da empresa recorrente naquela ocasião.
Predominou, portanto, a conclusão do estimado tributarista no sentido de que o ICMS, embora obrigatoriamente cobrado em conjunto com o valor das mercadorias negociadas, não se confunde com receita ou faturamento do vendedor, porquanto o contrário seria equivalente a afirmar que “os sujeitos passivos destes tributos ´faturam ICMS´”[¹].
Inclusive, o aludido professor esclarece adiante que “a eventual circunstância de o ICMS ser ´recuperado´ pela empresa no momento da venda mercantil absolutamente não ilide a inconstitucionalidade da inclusão de seu montante na base de cálculo da COFINS”[²].
Pois bem, a partir da referida premissa, é possível afirmar que o ICMS integrante do valor da operação, mas que não se confunde com faturamento ou receita própria da pessoa jurídica vendedora, é aquele constante do documento fiscal, pouco importado se parte desse valor não é pago pelo contribuinte ao estado correspondente em razão da apropriação de créditos, inerente à sistemática da não-cumulatividade.
Em abono ao afirmado anteriormente, é válido lembrar que o artigo 13, § 1º, I, da Lei Complementar nº 87/96 estabelece que o valor do ICMS integra a operação de venda de mercadorias, devendo compor a base do próprio imposto. A constitucionalidade desta determinação foi confirmada pelo Plenário do STF em duas oportunidades (RE nº 212.209/RS e RE nº 582.461/SP), valendo destacar o seguinte trecho do voto da ministra Ellen Gracie no segundo precedente: “há que se considerar que o montante utilizado para pagamento do imposto também constitui disponibilidade do contribuinte, tanto que é capaz de ser destinado para satisfazer obrigação sua”.
Aliás, os ministros Nelson Jobim, Moreira Alves e Sepúlveda Pertence, no primeiro precedente, justificaram a inclusão do ICMS em sua própria base como medida adequada e indispensável para realizar o objetivo da não-cumulatividade do tributo, através do sistema “imposto sobre imposto”, eleito pela Constituição e pelas leis complementares regulamentadoras.
Portanto, ciente de que o ônus econômico do ICMS não é suportado pelo vendedor, mas repassado ao comprador das mercadorias, o legislador toma por valor da operação o preço acrescido do valor do imposto correspondente, o que, nada obstante, não torna esse último faturamento ou receita da pessoa jurídica, porquanto predeterminado aos cofres dos estados competentes para exigi-lo.
Em termos práticos, portanto, o vendedor promove a circulação de mercadorias, fazendo nascer a obrigação de pagar o ICMS aos estados e ao Distrito Federal, devendo considerar por valor da operação (base de cálculo) o preço acrescido do próprio imposto repassado ao comprador na mesma oportunidade. A consequência da venda é a percepção de faturamento/receita pelo vendedor, eclodindo a partir daí uma nova obrigação tributária com a União, correspondente ao PIS e a COFINS.
Nessa esteira, o STF entendeu que nem todo o denominado “valor da operação” recebido pelo vendedor constitui faturamento/receita do vendedor porque parte desse valor encontra-se vinculado ao cumprimento de sua obrigação perante outro ente tributante, ou seja, trata-se de mero ingresso de natureza transitória que nada acresce ao seu patrimônio.
Segundo a RFB na Solução Interna COSIT nº 13, contudo, nem todo o imposto destacado em nota fiscal é repassado ao estado, ficando parte retido no patrimônio do contribuinte por conta da compensação de créditos por ele obtidos.
Embora o raciocínio possa parecer lógico em um primeiro momento, a conclusão contraria o entendimento do STF por duas razões: (i) desconsidera que a quantia tida por não integrante da base do PIS e da COFINS é aquela incidente na operação de venda, ou seja, o ICMS repassado juntamente com o preço da mercadoria; (ii) não é possível afirmar que o crédito apropriado pelo contribuinte ao final do período de apuração transforme o valor compensado em receita ou faturamento.
Na verdade, como destacado, tanto a inclusão do ICMS em sua própria base como a possibilidade de compensar o imposto pago nas operações anteriores servem apenas ao propósito constitucional de que o referido imposto seja não-cumulativo. Os contribuintes de direito, portanto, não são prejudicados por terem de incluir o ICMS em sua própria base – como destacado pela ministra Ellen – nem tampouco se beneficiam do fato de compensarem o imposto pago anteriormente com aquele incidente na saída das mercadorias.
Em outras palavras, não fosse a sistemática de créditos, o ICMS de cada etapa de circulação das mercadorias seria base de recolhimento do mesmo tributo nas operações seguintes, fazendo surgir a indesejada cumulatividade tributária. O vendedor, portanto, não deixa de pagar o ICMS quanto compensa os seus créditos, apenas evita uma nova incidência sobre o imposto pago anteriormente.
O raciocínio acima não escapou do voto-condutor do RE nº 574.706/PR, quando a ministra Carmen Lucia destacou que “ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual é transferido”.
Entender, portanto, que deve ser excluído da base do PIS e da COFINS apenas valor do ICMS pago pelo contribuinte em cada etapa de circulação das mercadorias representa subversão das razões de decidir do STF nos precedentes mencionados, fazendo cm que os tributos federais incidam sobre parcela do imposto estadual sobre as vendas.
A sistemática de pagamento do ICMS interessa apenas aos estados e ao Distrito Federal, em nada alterando conclusão segundo o qual o valor correspondente, constante das notas fiscais, embora integrante da operação, não constitui faturamento/receita tributável pela União.
[¹] ICMS. 17ª edição. Pág. 703
[²] Ob. cit. pág. 714
Artigo elaborado por Leonardo Augusto Andrade, Sócio do Velloza Advogados Associados.